por Marcelo Seabra
A morte, impostos e um filme do Woody Allen por ano são as certezas que temos na vida. Seguindo com sua musa de Magia ao Luar (Magic in the Moonlight, 2014), Emma Stone, o diretor e roteirista lança agora O Homem Irracional (Irrational Man, 2015), uma espécie de versão cômica do ótimo Matchpoint (2005). Com várias referências eruditas, ele novamente faz uma crítica ao academicismo, como em Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011), e propõe que um professor de filosofia parta para a ação, saindo um pouco do conformismo do mundo das ideias. Até uma discussão ética sobre assassinato é ensaiada, ficando apenas no superficial e óbvio. Essa falta de definição de caminho e tom é o que incomoda na produção.
Apesar do clima de pastelão que vez por outra toma conta, Allen imprime seu humor característico recente ao longa. Faltou um personagem neurótico clássico, mas o sarcasmo, as ironias, o cinismo e os contrastes entre pontos de vista estão todos lá. O protagonista, Abe Lucas, é deprimido, desgostoso com a vida e parece viver no piloto automático, mesmo que ainda assim esteja acima da média em termos de inteligência e sagacidade. A interpretação de Joaquin Phoenix (de Ela, 2013) de fato sugere alguém blasé, pouco preocupado com o dia de amanhã, que faz questão de apontar o que considera as inconsistências da filosofia, mesmo lecionando e escrevendo sobre a matéria. Com o roteiro aparentemente seguindo uma fórmula, o ator ainda se mostra à altura da tarefa, lembrando um pouco o Hank Moody da série Californication. Ambos são professores talentosos, porém cínicos e mais interessados em ter o máximo de mulheres possível, e sem fazer esforço.
Stone, mais uma vez fazendo par com um homem mais velho (sai Colin Firth, de Magia, entra Phoenix), é encantadora e um pouco irritante. Sua personagem tem algumas atitudes estranhas e só é inteligente quando é conveniente. Ela é uma espécie de rival da professora vivida por Parker Posey (de Grace de Mônaco, 2014), já que ambas disputam a atenção de Abe. Em meio a estas desventuras amorosas, Abe começa a pensar numa possibilidade surreal que já inspirou Hitchcock em clássicos como Pacto Sinistro (Strangers on a Train, 1951) e Festim Diabólico (Rope, 1948): um assassinato. A morte de uma pessoa ruim faria do mundo um lugar melhor? E uma pessoa dita de bem, em pleno controle de suas faculdades mentais, poderia cometer tal ato?
O diretor aproveita o longa, assim como em Blue Jasmine (2013), para filmar nos Estados Unidos, após várias experiências na Europa. A bela fotografia do constante colaborador Darius Khondji valoriza a cidadezinha onde fica a faculdade em que a trama se ambienta e cria um clima bucólico que não nos permite precisar a época. O jazz moderninho da trilha, no melhor estilo Snoopy, dá a impressão de se tratar de uma farsa. Dentro desse gênero, o filme varia muito, e fica indefinido para onde ele vai. A citação clara a Dostoiévski e Crime e Castigo sugere uma direção sombria, mas logo percebemos que não será o caso. É como em Melinda e Melinda (2004), que analisava a tragédia e a comédia, mas misturado na mesma história. O roteiro, como Abe Lucas, parece não acreditar na filosofia e opta pelo riso fácil, bobo, mesmo que isso o enfraqueça, deixando a impressão de que poderia ter sido bem melhor.
O Pipoqueiro traz comentários de mais quatro séries para você conhecer: Shrinking, Detetive Alex Cross,…
Martin Scorsese recupera imagens de 1964 para mostrar como foi a chegada dos Beatles nos…
O Pipoqueiro apresenta quatro novas séries exibidas em serviços de streaming, além de trazer um…
O Disney+ lançou Music by John Williams, documentário que O Pipoqueiro já conferiu e comenta…
O Pipoqueiro preparou um pacote de filmes de terror ou suspense para este Halloween e…
Confira o resultado de uma hipotética disputa entre DC e Marvel, já que ambas as…
View Comments
Que pena! Não achei isso. Como o gênio que Woody é, desisti de acreditar que cada decisão não é um acerto. Adorei o tom incerto, divertido e indefinido do longa. Às vezes julgarmos com os parâmetros normais filmes que claramente não tem que se provar nada (e nem querem) não é o ideal, pois perdemos o principal: a diversão. And God, como esse filme me divertiu!
Quanto a discussão moral, achei ela bem inspirada, com um intertexto incrível de Crime e Castigo (que por sinal estou no final da leitura, então foi bem surpreendente e legal!)...
Mesmo discordando, gostei dos teus pontos ressaltados, em que alguns até concordo mas não por isso acho o filme menos maravilhoso. Parabéns pela crítica!
Arthur, artistas do porte de Woody Allen sempre criarão obras curiosas que permitem várias interpretações. Que bom que funcionou melhor para você! Obrigado pela visita!