Cake e Cala a Boca Philip têm antipatia de sobra

por Marcelo Seabra

Cake posterListen up PhilipÉ bem possível fazer um filme agradável tendo um protagonista antipático. Dois filmes em cartaz tentam essa proeza, com resultados diferentes. Mesmo que você não tenha qualquer simpatia pela pessoa apresentada, a jornada dela pode ser curiosa e te prender. Nem que seja para vê-la se dar mal, ou para desejá-la o pior. Jennifer Aniston, a eterna Rachel de Friends, está naquela que talvez seja sua melhor atuação, e a tal esnobada do último Oscar chamou bastante atenção para Cake – Uma Razão para Viver (2014). E Jason Schwartzman lidera um bom elenco em Cala a Boca Philip (Listen Up Philip, 2014), vivendo mais um mala em sua carreira.

Num drama que tenta ser engraçadinho e acaba ficando sem um tom definido, Aniston interpreta uma mulher que, após um acidente, passou a sofrer de uma dor crônica na coluna que a impede de ter uma vida normal. Até andar de carro se torna uma experiência aterradora, e dirigir, nem pensar! Claire freqüenta um grupo de auto-ajuda para pessoas com um problema similar, e nem eles se mostram receptivos para a chatice e grosseria da personagem. A obsessão por uma colega falecida do grupo faz com que ela dê uma movimentada em sua rotina deprimente. Essa vida ruim a torna uma versão piorada do Chandler de Friends, alguém que faz piadas maldosas e não se importa em atacar os demais, ou criar situações embaraçosas em grupo.

Cake

Fazendo cara de dor ou incômodo o tempo todo, a atriz abriu mão da maquiagem na tentativa de dar mais veracidade à sua sofrida Claire, além de algumas cicatrizes. Mas isso não chega a ser compor um personagem, é apenas incômodo depois de algum tempo. Algumas situações exageradas não contribuem e o roteiro de Patrick Tobin parece não caminhar em nenhuma direção. Algumas informações sobre Claire são reveladas ao longo da projeção, mas não a tornam menos irritante. O elenco de apoio, que conta com Anna Kendrick (de Caminhos da Floresta, 2014) e Sam Worthington (de Sabotagem, 2014), está correto, e o destaque é a mexicana Adriana Barraza (de Thor, 2011 – acima), que faz a empregada de Claire e a única pessoa que se importa realmente com ela, além do ex-marido (Chris Messina, de Ruby Sparks, 2012), mantido à distância.

O outro purgante que pode ser visto nos cinemas é Philip Lewis Friedman (Schwartzman, de O Grande Hotel Budapeste, 2014), um jovem escritor que aguarda o lançamento de seu segundo livro após o grande sucesso do primeiro. Se ele já era arrogante e egoísta antes, o pedaço de fama atingido o deixa intragável. Ele consegue afastar todas as pessoas à sua volta, começando pela namorada (Elizabeth Moss, de Mad Men – abaixo), que ele não cansa de maltratar. Um veterano midas da literatura (Jonathan Pryce, atualmente em Game of Thrones) é o único que consegue se relacionar com Philip, talvez por ser uma versão mais velha do próprio, um pouco menos intratável, mas igualmente difícil e isolado.

Listen up Philip couple

Cala a Boca Philip é interessante por ser um retrato perfeitamente possível de um escritor bem sucedido e do que o êxito pode fazer com ele. A estrutura também é curiosa, mesmo que tenha diálogos em excesso e canse um pouco. O diretor e roteirista Alex Ross Perry (de O Círculo Cromático, 2011) não se prende a Philip ao contar a história. Ashley e Ike revezam com ele a posição de protagonista, e sobra oportunidade também para Melanie (Krysten Ritter, de Breaking Bad), a filha de Ike, e Yvette (Joséphine de La Baume, de Rush, 2013), a antagonista francesa de Philip. É engraçado como esse gênio ruim faz com que a pessoa conquiste desafetos. Philip passa a criar atritos com diversas pessoas e as classifica como inimigos em potencial, sendo Yvette uma delas.

O resultado das obras mencionadas é bem diferente pela forma como cada um trata seu protagonista. Enquanto Cake é tão chato quanto Claire, a tendo como centro e problema principal, Cala a Boca Philip consegue retratar o sujeito como o babaca que ele é, reforçando o tanto que ele é diferente dos demais. É sim possível fazer um filme agradável com um protagonista antipático, como Cala a Boca Philip prova. Mas Cake mostra que é muito fácil errar a mão e ir pelo caminho errado.

Mesmo chorando e sem a beleza habitual, Aniston não conseguiu a indicação ao Oscar

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Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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