por Marcelo Seabra
A história é a mesma de sempre, já contada em animação e live action diversas vezes. Já foi atualizada, teve alterações no contexto, passou por todas as modificações pensáveis para permitir levar a personagem novamente aos cinemas. Agora, a Disney inovou: fez uma nova Cinderela (Cinderella, 2015) com nada de diferente. Isso mesmo: a novidade é que não tem novidade. Ao menos financeiramente, a empreitada funcionou maravilhosamente bem: a arrecadação já beira o meio bilhão, cinco vezes o seu custo.
Para ficar em alguns exemplos mais recentes de contos de fadas, tivemos a Alice de Tim Burton, duas Brancas de Neve, Oz e o spin off da Malévola, várias tentativas de aumentar ou enriquecer universos já conhecidos por todos. No entanto, os originais permanecem nos corações como as versões inesquecíveis. Com Frozen (2013), percebemos a consolidação de outra tendência que vinha ganhando força: as princesas deixaram de ser mocinhas em perigo e passaram a ser mulheres fortes, ativas, que não colocam seu destino nas mãos de um homem, como se ele soubesse melhor o que fazer do que ela própria.
Cinderela passa longe de tudo isso. Para o bem ou para o mal, é uma produção antiquada, da velha escola, exatamente o que poderíamos esperar de uma adaptação literal do desenho (ou do conto). Chris Weitz, que não escrevia um filme desde A Bússola de Ouro (The Golden Compass, 2007), fez um roteiro redondinho, que tenta desenvolver as situações para que haja sentido. Como aquela menina chega a ser uma empregada em sua própria casa? Weitz nos apresenta aos pais dela e podemos acompanhar todo o desenrolar. A direção de Kenneth Branagh (de Thor e do último Jack Ryan) é a mais correta possível, reverenciando suas fontes e mantendo-se fiel. O que, nos tempos em que vivemos, com o caminho iconoclasta e revisionista que tudo parece tomar, traduz-se em algo totalmente sem graça.
No início, quando somos apresentados aos personagens e à (má) sorte de Ella, temos a sensação que será algo como Cinderella Begins, em referência ao mundo sombrio e pé no chão que Batman parece ter trazido ao Cinema. Mas, quando ratinhos engraçadinhos aparecem, percebemos que há algo estranho. E as tiradas bem humoradas de Caminhos da Floresta (Into the Woods, 2014) passam longe. Apesar de ser uma obra cansativa, Caminhos tinha uma Cinderela bem mais interessante, assim como um príncipe diferente do usual. Lily James e Richard Madden vieram de participações elogiadas em séries de TV de sucesso: Downton Abbey e Game of Thrones, respectivamente. Com o roteiro de Weitz, eles não têm muito o que fazer, apenas devem vencer os percalços para terem o final esperado.
Até aquele que parecia ser o maior trunfo do longa acaba deixando a desejar. A madrasta é vivida pela fantástica Cate Blanchett (de Blue Jasmine, 2013), que rouba a cena sempre que aparece. Com seus vestidos suntuosos e clássicos, ela apaga a mocinha de nosso campo de visão. O papel da vilã de um conto de fadas é sempre cobiçado, e não à toa atraiu gente do calibre de Julia Roberts e Charlize Theron (das Brancas de Neve). Mas a personagem é fraca e tem pouco destaque, não permitindo a Blanchett brilhar como deveria. As duas filhas (Sophie McShera e Holliday Grainger), coloridas e atrapalhadas, enfraquecem ainda mais. Outros que mostram a cara, com a competência habitual, são Helena Bonham Carter (de O Cavaleiro Solitário, 2013), Stellan Skarsgård (de Ninfomaníaca, 2013) e Derek Jacobi (da série Vicious), além de Ben Chaplin (de O Retrato de Dorian Gray, 2009) e Hayley Atwell (a Agente Carter da Marvel).
Com um elenco tão interessante, figurino e direção de arte adequados, uma fotografia correta e efeitos especiais bem criados, Branagh poderia ter inovado em algum momento. O resultado não é ruim, longe disso. Só é mais do mesmo. Deve agradar à maioria do público e ser esquecido no momento seguinte, ao contrário de um Frozen. A não ser, quem sabe, o lindo vestido azul de Ella.
Marcelo,
Eu concordo plenamente com todas os seus comentários sobre o roteiro… realmente, com esta onda de recontar as histórias de inúmeros pontos de vista, é um tanto conservador refazer o filme igual ao desenho… como uma homenagem.
Eu confesso entretanto, que ando um pouco “enjoada” de recontos que as vezes até deturpam a história original – por exemplo – acho “Once Upon a Time” chatíssimo, tolerei a primeira temporada, não suportei ver mais…
Sobre as personagens, eu gostei da doçura que Lily James imprimiu à Ella, mas tenho que comparar a madrasta com a mesma personagem e suas filhas do “Para sempre Cinderella” que parece melhor construída, com seus motivos (mesmo que fúteis) para odiar a pobre enteada. Anjelica Houston dá um toque bem cômico à vilã naquela versão, e o toque de Da Vinci ser “a fada madrinha” é muito interessante.
Talvez, como uma adulta que foi criança nos anos 80 os contos de fada me causam nostalgia, talvez por que sou uma pessoa muito visual e neste quesito, aquela fotografia imitando os quadros de Monet, o capricho do figurino, a beleza do reino imaginário, os efeitos especiais… eu fiquei muito encantada e até emocionada com o filme, confesso – me sinto até um pouco boba, dado a falta de profundidade do roteiro e ao fato de ser uma história que ouvi e contei (já que sou professora de crianças) tantas e tantas vezes… mas há que se considerar que tem algumas coisas que são extremamente subjetivas no gosto, não é mesmo?
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Perfeito, Cleide. Você pode achar o que quiser da obra, ainda mais porque cada um recebe aquilo de uma forma. Como você disse, o filme pode significar muitas coisas, acionar lembranças, apelar para esferas que vão muito além da simples racionalidade. E o importante é exatamente citar esses motivos, ter uma opinião embasada. Foi um prazer ler o seu comentário, volte sempre!