por Marcelo Seabra
É impressionante como ainda colocam tanto dinheiro nas mãos dos Wachowskis. O orçamento divulgado do novo O Destino de Júpiter (Jupiter Ascending, 2015) está na casa dos 175 milhões de dólares, quantia inacreditável levando em conta que os filmes anteriores dos irmãos ficaram devendo na relação custo e renda. E Júpiter já chega aos cinemas debaixo de críticas pesadas e com a má fama de uma sessão secreta de estreia durante o Festival de Sundance em que a sala estava meio vazia e muita gente saiu no meio. Os planos de uma franquia podem ter sido abortados logo de cara, com os pífios milhões arrecadados na estreia.
Os autossuficientes Andy e Lana Wachowski tiveram uma única grande ideia em toda sua carreira e a exploraram à exaustão, de todas as formas possíveis. Uma vez que não dava para tirar mais nada do universo de The Matrix (1999), eles partiram para outras empreitadas. Não que tenham sido totalmente mal sucedidos. Ao menos no visual, eles sempre recebem elogios. Speed Racer (2008), por exemplo, é bem criativo e oferece algumas soluções interessantes para buracos do desenho que o inspirou. Mas não se trata de material original, caso do bonito, longo e cansativo A Viagem (Cloud Atlas, 2012). Como roteiristas e produtores eles se envolveram em outros projetos, nunca experimentando o mesmo sucesso, ou nem perto, de The Matrix.
Mais uma vez demonstrando um alto grau de megalomania, os diretores criaram uma história sem pé nem cabeça que parte de um conceito absurdo: reencarnação genética. Os diálogos só poderiam ser ridículos, e é louvável que os atores consigam segurar o riso ao proferi-los. Channing Tatum (acima), também em cartaz atualmente com o ótimo Foxcatcher (2014), mostra que não é mesmo um bom intérprete, ele depende de um bom diretor conduzi-lo para ser eficiente. A caracterização do “licomutante” de Tatum lembra a versão cômica do Chewbacca de Spaceballs – Tem um Louco Solto no Espaço (1987) com a adição de orelhas à Spock. E ele precisa passar boa parte do tempo sem camisa, para agradar a algum fetiche de um dos envolvidos. Ou uma. As sequências repetitivas, com lutas sem sentido e tiros que não ferem (e mágica para curar feridas), tornam a experiência bem cansativa.
Os demais nomes do elenco passam por constrangimento semelhante. Mila Kunis (de Oz: Mágico e Poderoso, 2013) demonstra estar perdida em alguns momentos, e até traz dignidade ao papel em outros. Ela é uma humana comum, empregada doméstica, que descobre ter os genes de uma poderosa matriarca intergalática e, por isso, deve clamar por seus direitos reais. E ela aceita essas novidades esdrúxulas com muita naturalidade. Quanto mais se descreve, pior fica. Os filhos dessa tal rainha falecida entram numa disputa sem nexo, apenas para brigarem entre si e permitirem que a história aconteça. Afinal, se eles tivessem tocado suas vidas, ninguém nunca descobriria a garota. E aquela história de doação de óvulos?
Entre os três irmãos espaciais, temos mais uma presença ilustre. Eddie Redmayne (acima), sério candidato ao Oscar desse ano por A Teoria de Tudo (The Theory of Everything, 2014), vive o primogênito, o andrógino Balem Abrasax. A trama exige que ele seja um vilão patético, ou foi uma opção desastrada do ator este tipo caricato. Ao menos, ele mostra que poderia ser um bom David Bowie numa cinebiografia. O irmão mais novo muda de postura conforme a necessidade do roteiro e Douglas Booth (colega de Redmayne em Os Pilares da Terra, 2010) não acrescenta nenhuma profundidade. E a outra irmã (Tuppence Middleton, de O Jogo da Imitação, 2014) não serve para muita coisa. O segredo revelado no final é previsível e não traz nada de novo. Do lado dos mocinhos, Sean Bean (de Game of Thrones) tem uma participação descartável e uma filha menos importante ainda, e eles deixam mais pontas soltas.
O guerreiro de Tatum, Caine Wise, é marcado por um passado obscuro que em momento algum é revelado. Seu nome, uma variação do bom e velho Caim, deixa claro que houve uma traição. As referências mais frequentes são relacionadas a outros filmes, umas mais óbvias que outras. A cena em que o personagem flutua pegando carona em um carro é De Volta para o Futuro pura! Os símbolos extraterrestres de Sinais (Signs, 2002) ganham uma explicação e as perseguições no meio do milharal lembram Arquivo X (The X Files, 1998). Mas a maior presença ao longo da projeção é, claro, Star Wars, que parece ser a maior inspiração para os Wachowskis, apesar de Lana jurar que é o clássico A Odisséia. Há momentos saídos de O Homem de Aço (Man of Steel, 2014), com toda aquela destruição e até aparece um sujeito com asas que parece o anjo de Barbarella (1968). São muitas as “homenagens”.
A trilha sonora é um caso à parte. Se, em alguns momentos, ela é irritante e adianta o tipo de emoção que deve vir a seguir, na maior parte do tempo ela é risível, com arroubos de grandeza como se fosse uma ópera espacial. Se fosse dirigido por Baz Luhrmann, os personagens começariam a cantar, e é só o que falta. Os irmãos incumbiram Michael Giacchino, vencedor do Oscar, Globo de Ouro e BAFTA por Up: Altas Aventuras (2009), da missão. Talvez, em outra situação, casasse melhor. Aqui, ao contrário de outras ficções científicas em que trabalhou (como John Carter, 2012, e o segundo Star Trek, 2013), suas composições não combinam com o que vemos, aumentando o ridículo das cenas.
Muitos filmes e até franquias de ficção-científica criam universos do nada e exigem do espectador um compromisso com o fantástico, um “salto de fé”. Isso não é e nem nunca foi problema, e Star Wars e Star Trek comprovam este fato. São leis e lógicas, além de cenários e espécies, que fogem totalmente do que estamos habituados. E a diversão está exatamente aí: em conhecer o novo e ver como tudo isso é aproveitado pelos realizadores. Os quase três bilhões de dólares de arrecadação de Avatar (2009) são outra prova dessa aceitação. Mas é preciso respeitar as regras que foram criadas, ou o jogo fica muito difícil de jogar. Com regras estapafúrdias, que não fazem nenhum sentido, fica ainda mais complicado brincar.
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