O histórico CBGB ganha cinebiografia

por Marcelo Seabra

Quem gosta de rock certamente já ouviu falar do CBGB, um famoso clube nova-iorquino que se tornou o lar do punk rock americano. Fundado em 1973, ele recebeu aqueles que se tornariam os grandes nomes do gênero, como Ramones, Blondie e Talking Heads, todos antes do lançamento do primeiro disco. Com essa importância toda, era questão de tempo até a casa ganhar um filme que contasse a sua história. De 2013, CBGB – O Berço do Punk Rock não teve um lançamento amplo e, discretamente, chegou à programação da TV a cabo.

Hillel “Hilly” Kristal aluga uma loja num lugar pobre e decadente de Nova York com a intenção de promover shows de country, bluegrass e blues – de onde vem o nome do estabelecimento. As coisas mudaram logo de cara, quando Hilly abriu as portas para os novatos da Television, que nunca tinham se apresentado, escreviam suas próprias músicas e prometiam ter futuro. Além de carregar seus instrumentos. Essa era a descrição básica de quem se apresentava lá. Nesse espírito, muitos passaram pelo palco escuro e apertado do CBGB. Alguns conseguiram contratos com gravadoras e estouraram, outros sumiram no mundo. Era de se esperar que não teríamos em cena todas as bandas que fizeram parte dessa história, não caberia em 90 minutos. Enquanto alguns aparecem, outros tocam, fazendo uma bela trilha sonora.

Causa estranhamento o fato de o fundador da casa, Hilly Kristal, um nova-iorquino notório, ser vivido pelo inglês Alan Rickman (o professor Snape de Harry Potter). Mas, no que diz respeito a Kristal, o problema nem é esse. Ele é mostrado quase que como um palerma, que nunca teria condições de fazer o que ele de fato fez: administrar uma casa de shows lendária e ajudar um tanto de gente no processo. Tudo bem que ele nunca aparentou ter uma situação financeira muito confortável, os preços praticados eram sempre justos, a entrada não era mais do que um dólar. E a falta do pagamento do aluguel fez com que, em 2006, tudo se encerrasse. Mas uma pessoa como o personagem no filme teria falido no mesmo ano. E a verdade é que, após a morte de Hilly, em 2007, descobriu-se que ele tinha quase quatro milhões no banco.

Os problemas factuais do longa são muitos. Depois de desempenhar várias atividades ligadas à música, Kristal abriu um bar, o Hilly’s on the Bowery, que veio a se tornar o CBGB. O filme dá a entender que ele era um vagabundo bancado pela mãe que precisava levar junto um sócio, Merv (Donal Logue, de Gotham), e a relação entre eles nunca é esclarecida. A música que os Ramones (ao lado) tocam era na verdade uma canção da carreira solo de Joey; há cartazes na parede do bar de bandas que nem existiam ainda; músicas que não haviam sido compostas são tocadas; a versão de Because the Night, de Patti Smith, conta com um misterioso piano do além; a ex-mulher de Hilly, Karen, era presença constante no lugar e a licença para bebidas era no nome dela, e o roteiro a ignora por completo. Estes são alguns exemplos das falhas do roteiro do diretor Randall Miller e de Jody Savin (ambos de O Julgamento de Paris, 2008, também com Rickman). E como poderiam John Holmstrom e Legs McNeil terem inventado o punk, como afirma a legenda, se estavam justamente escrevendo sobre o tema?

Sempre que tentam explicar o punk, sai algo insosso, ou muito errado. É muito difícil tentar passar a atmosfera do que era o punk. Certamente, não era fazer bundalelê para uma criança, como Stiv Bators (dos Dead Boys) teria feito. E o fato do cachorro de Hilly defecar por todo lado é bem lembrado, mas seria assim tão importante ou os roteiristas queriam apenas que o público risse, mesmo que a piada se repita por diversas vezes? Acaba parecendo uma sitcom com um bar no lugar da cafeteria de sempre. Talvez assim, com a cada semana uma banda diferente se apresentando e se envolvendo com o núcleo fixo de personagens, CBGB poderia ter se tornado uma série de TV. Com mais tempo, tudo poderia ser melhor desenvolvido, mais pontas de famosos seriam possíveis e mais casos apetitosos (como os que McNeil e Gillian McCain narram no livro Mate-me Por Favor) seriam contados.

Blondie e Iggy Pop são alguns dos artistas que passaram pelo CBGB

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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