por Marcelo Seabra
Introdução (escrita para o especial do Cinema de Buteco)
O cara já começou com o pé direito com uma trama aparentemente simples, mas que guardava uma bela reviravolta, o que seria uma marca em sua carreira. Following (1998), o primeiro filme de Christopher Nolan como diretor, já foi um belíssimo começo de carreira e o gabaritou para fazer aquele que seria o grande cartão de visitas do cineasta: Amnésia (2000), o título nacional para o ótimo Memento. Guy Pearce marcou o Cinema Noir como o desmemoriado que persegue o assassino de sua esposa. E o gênero policial ainda foi premiado com Insônia (Insomnia, 2002), um estudo de personagem que mostra o que pode acontecer com um sujeito que é privado de sono. E ajuda muito ter Al Pacino em cena, além dos oscarizados Hillary Swank e Robin Williams, este como um surpreendente psicopata.
O caminho que Nolan vinha seguindo deu uma grande guinada quando ele topou dar nova vida a um herói que vinha sendo maltratado pelo Cinema. Batman ganhou mais um filme de origem (Batman Begins, 2005), muito bem fundamentado, que acabou transformando Nolan em uma espécie de padrinho dos heróis da DC levados à telona. Entre a primeira e a segunda aventuras da trilogia do Homem-Morcego, o diretor criou, com o irmão e parceiro constante, Jonathan, o filme definitivo sobre mágica: O Grande Truque (The Prestige, 2006). Colocando frente a frente Christian “Batman” Bale e Hugh “Wolverine” Jackman, além de contar com Michael Caine, Scarlett Johansson e David Bowie, Nolan nos mostrou o que é a verdadeira mágica, mas tudo foi sacrificado em uma busca por vingança.
Se “ótimo” já era um adjetivo que acompanhava o diretor, O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008) veio para realizar os sonhos que muita gente nem sabia que tinha. O longa conseguiu apagar da memória de todos o icônico Coringa de Jack Nicholson e dar um Oscar, infelizmente póstumo, a Heath Ledger, algo até então inédito para uma adaptação de herói dos quadrinhos. O tom sombrio usado ditou o que seria regra para todos os heróis que se seguiram, e a expectativa para o fechamento da trilogia só crescia. Mas, antes disso, Nolan invadiu os sonhos de pessoas poderosas para roubar informações. Leonardo DiCaprio liderou um elenco fantástico em A Origem (Inception, 2010), outra trama muito bem elaborada, marca por viradas repentinas, que ajudou a cimentar a fama de genial de Nolan.
O terceiro longa de Batman, O Cavaleiro das Trevas Ressurge (The Dark Knight Returns, 2012), não atingiu as expectativas de muitos que manifestaram seu descontentamento. Talvez, porque os filmes anteriores tenham subido demais o padrão. Mas não se trata de algo ruim ou de poucas qualidades, é apenas inferior ao anterior, o que já era de se esperar. Agora, tendo abandonado o universo de Bruce Wayne, Nolan partiu para uma viagem pelas estrelas que tem ambição escrito de ponta a ponta. Comparações descabidas já começaram antes mesmo da estréia de Interestelar (Interstellar, 2014), e expectativa é algo a que Nolan terá que se acostumar. Para quem foi capaz de fazer o que ele fez, o mínimo que esperamos é brilhantismo.
Interestelar
E finalmente chegou a hora de conferir Interestelar (Interstellar, 2014) nos cinemas. Para quem acompanha e gosta da carreira de Christopher Nolan, este é um momento muito esperado. Diversas notícias vem sendo divulgadas, críticas levam o cineasta do céu ao inferno, o orçamento de 165 milhões de dólares promete um espetáculo visual. Mas e a história? Mais uma vez contando com roteiro de Nolan e seu irmão, Jonathan, a produção deve responder esta dúvida fundamental: veremos mais viradas interessantes e críveis? Ou teria o diretor enlouquecido com tanto confete jogado nele? Qual é o limite da ambição, antes que se torne pretensão?
A trama começa após alguma catástrofe ter acontecido na Terra. Comida é artigo de luxo, vários tipos de profissionais são obrigados a se tornarem fazendeiros e, por algum motivo, o solo só permite sucesso com milho. Tempestades de poeira atacam a população com frequência e problemas respiratórios são o mal do século. Cooper (McConaughey) deixou de ser piloto para cuidar da fazenda e de seus dois filhos. Seguindo uma pista misteriosa, ele encontra o que sobrou da NASA e descobre que os cientistas têm um plano para salvar as pessoas. E ele, Cooper, seria importantíssimo nessa tentativa. Por que então ninguém o procurou antes, contando com o acaso de ele aparecer de surpresa? Não se sabe.
A pergunta acima é um exemplo do grande defeito de Interestelar. O número de situações inexplicadas é grande, é preciso um grande salto de fé para acreditar e, o pior, aceitar tudo. O que teria causado essa invasão da poeira? Por que só plantar milho? À medida que a sessão avança, os problemas vão crescendo, aparecendo aqui e ali, e fica claro que o final vai depender muito de coincidências e chutes. Ao discutir O Grande Truque, um dos melhores trabalhos de Nolan, apontei que o sucesso do filme se deve a ele ser construído sobre um ponto específico, um mistério que é esclarecido oportunamente e surpreende a todos de forma positiva. Exatamente a fraqueza de O Ilusionista (The Illusionist, 2006), outro longa sobre mágica lançado no mesmo ano que decepciona exatamente por depender de uma resposta que nunca aparece ou satisfaz.
Claro que, em 169 minutos, muita coisa boa acontece. Alguns conflitos e questionamentos levantados são interessantes, e ótimas atuações ajudam a segurar possíveis furos. McConaughey, por exemplo, transmite muita segurança, é óbvio o tanto que o ator confia no diretor e se entrega ao papel. Os efeitos especiais são fantásticos, criando mundos notáveis e nos mostrando como pode ser um buraco negro por dentro. Há cenários que lembram A Origem, e é impossível não remeter a Arquivo X com tanto milharal. Apesar do lindo visual, a trilha de Hans Zimmer pode irritar, e os melhores momentos são aqueles passados no espaço, quando o silêncio da falta de atmosfera é respeitado.
Em produções recentes, como Lucy (2014) e Transcendence (2014), vemos personagens que, quanto mais se aproximam da perfeição, mais frios se tornam, perdendo o que os torna humanos. Nolan parece caminhar nessa direção, realizando uma obra que mantém o público distante. Essa é uma crítica que o diretor já recebe há algum tempo. Mas, dessa vez, é mais sério: fica a impressão de que, quanto mais se aproximar, pior vai ficar. As imperfeições se tornam mais claras.
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Com certeza algumas perguntas ficaram sem respostas, a não ser que, o brilhante Nolan, tenha feito de propósito, para deixar o seu telespectador usar a imaginação. Gosto disso. Mas, a resposta para os males da terra estava em sua gravidade que, se alterou sensivelmente a ponto de criar tempestades de areia e tornar o solo infértil. Bom, pelo menos foi isso que eu entendi.
Fred, também gosto de filmes que deixam pontos em aberto e questões para que possamos interpretar e responder. É assim com 2001, mas não com Interstellar, um filme que começa extremamente expositivo, explicando tudo e todos, mas que não consegue tecer as explicações necessárias para que possamos sair com certeza de que entendemos o que era pra entender e imaginando o que era pra imaginar. Enfim, temos que imaginar o que Nolan não explicou e aceitar as soluções que narrativamente não soam muito coesas. Sendo uma ficção-científica, a ciência não foi tão comprometida, mas a ficção sim.
Bem colocado, Gustavo. Obrigado a ambos pela visita e pelos comentários.
Abraços!
Vale citar que a maneira como o filme conclui, por mais que possa ter base científica-teórica (não sei se tem) nunca soa coeso narrativamente. E quanto aos momentos finais: É frustrante ver como Christopher Nolan conclui o seu filme, pois é um diretor que sempre se mostrou genial nesse ponto, deixando sempre um último frame antes do corte capaz de suscitar discussões e surpresas, nessa oportunidade acaba de maneira pouco inspirada, insípida, nos deixando com a sensação de uma rica experiência mal sucedida, recheada de boas ideias, mas que faltaram ser mais bem selecionadas. Enfim, um longa que tropeça na própria ambição.
*SPOILERS*
Salve, finalmente ontem assisti ao filme e voltei então para o podcast cinema em cena.
Bom, acho que algumas críticas, como a do Pablo, foram um tanto injustas ao definir um Deus Ex Quantum no final do filme.
Digo isso porque o filme começa com soluções extraordinárias. Então, não cabe aceitar ou não só no final, e sim desde o início. O worm hole é uma solução dessas, já no início do filme.
O que achei um furo maior no roteiro é que a filha dele, uma menina curiosa, cientista nata, deixa pra lá o "Fantasma" por anos? Principalmente depois de ter uma confirmação clara de que era um contato inteligente, com as coordenadas da NASA. O "Fantasma", talvez mais que a viagem, seria motivo pra qualquer um ficar obcecado tentando se comunicar e descorbrir.
Isso ficou muito ruim, e pior que poderia ser facilmente contornado inventando algum empecilho, alguma desculpa.
Ao final, quando o Coop é resgatado, vendo as crianças jogando baseball, tive impressão de estar vendo uma versão terráquea da nave de Encontro com Rama. Li não faz muito tempo.
Como vi tanta crítica negativa, exageradamente negativa, baixei minha expectativa e achei um bom filme.
Mas a impressão que me deixou é que o roteiro poderia ter recebido mais alguns tratamentos para ficar bem mais redondo. Talvez seja o problema de diretor que cresce muito no mercado, muita independência. Sem alguém para puxar a orelha.
Realmente, aquele papo da Dra Mulher gato de amor e mimimi.. Que horror. Além de ruim, parece tão deslocado. Só se salvaria a cena se os outros dois a colocassem pra dormir congelada na marra. Ela acordaria depois de tudo resolvido admitindo que tinha surtado devido a toda situação.