Divergente é a nova isca para adolescentes

por Marcelo Seabra

Todo adolescente iria querer, nessa fase difícil da vida, um teste que lhe dissesse quem ele é, a que grupo pertence. E seria um pesadelo, nesse tipo de sociedade, o teste dar um resultado inconclusivo. Enquanto todos têm sua posição definida, você continua no escuro. É nessa situação que se vê a protagonista de Divergente (Divergent, 2014), uma garota que não sabe exatamente que decisão tomar, a que grupo se juntar. É praticamente a escolha da profissão que a proximidade do vestibular obriga, e que vai refletir para a vida toda. Metáforas não faltam.

Na mesma onda de diversas “sagas” que têm sido adaptadas da Literatura para o Cinema, Divergente, de Veronica Roth, é um amontoado de referências costuradas para um público jovem que parece querer ver atores bonitos, conflitos sobre identidade e um pouco de ação. Seja com vampiros, seja com jogos vorazes, tudo acaba chegando nos mesmos lugares, e os produtores vêem como uma ótima oportunidade de encherem os bolsos de dinheiro. O cartaz chega com a frase “Baseado no aclamado best seller”, ou algo assim, e no mínimo uma trilogia está no forno, já que hoje um filme apenas parece pouco para se contar uma história. Roth já vendeu os direitos para filmarem Insurgente (previsto para 2015) e Convergente (2016).

A trama de Divergente se passa em um mundo destruído por uma guerra nunca explicada. Por algum motivo, com a sobrevivência da raça humana como desculpa, o que sobrou do mundo é cercado e as pessoas são divididas em cinco facções, de acordo com suas características mais marcantes. Beatrice (Shailene Woodley, de Os Descendentes, 2011) é filha de dois membros da facção Abnegação, pessoas que se vestem com trapos, não podem se olhar no espelho para não cultivarem qualquer tipo de vaidade e vivem para servir. Exatamente por isso, eles são os responsáveis pelo governo. A garota, ao contrário do irmão, não poderia estar mais deslocada, e ela tem a oportunidade de mudar isso.

Todos os jovens, ao completarem 16 anos, devem fazer uma escolha numa cerimônia esquisita, na frente de todos, e não há como se arrepender depois. É chegada a hora de escolher a “casa” onde viverá o resto da vida, e Beatrice não sabe bem o que fazer. Abnegação não é para ela, mas deixar os pais na mão também não é legal. A que mais parece atraí-la é a Audácia, habitada por um bando de jovens (parece não ter adultos) que são uma mistura de West Side Story e The Warriors, todos correndo alegremente pelas ruas, pulando em trens e usando roupas que deixam claro o tanto que eles são descolados e ousados. Eles são a polícia da cidade e têm um treinamento militar que parece ter como objetivo fazer com que todos desistam logo de cara. Independente da facção que escolher, Beatrice terá problemas: a falta de resposta no teste indica que ela é uma divergente, classe que não se encaixa em nenhum grupo e é vista como uma ameaça ao governo. Todos são caçados e eliminados assim que descobertos.

Para todo mundo que quer ser especial, ter algo que diferencie, existe o risco de rejeição. Na adolescência, ser diferente pode ser um pesadelo, e todos só querem ser aceitos, caber em algum grupo. Na década de oitenta, o Cinema era mais óbvio, mostrando adolescentes passando por estas dificuldades sem precisar de metáforas, joguinhos ou realidades distópicas. John Hughes, por exemplo, enxergava esses conflitos como ninguém e criou obras marcantes, como Clube dos Cinco (1985) e A Garota de Rosa-Shocking (1986). O diretor Neil Burger (culpado por O Ilusionista, 2006) filma o roteiro de Vanessa Taylor (de Um Divã para Dois, 2012) e Evan Daugherty (de Branca de Neve e o Caçador, 2012) e o resultado é, em vários momentos, risível, mesmo não se tratando de uma comédia. O filme se leva tão a sério, com diálogos e situações tão pobres, que é impossível conter a risada. Pior é elencar os vários furos na história, começando pelo funcionamento daquela cidade, algo difícil de entender. O elenco, competente em sua maioria (não estou falando de você, Jai Courtney), não consegue compensar uma história tão furada e mal escrita. Nem a presença da Kate Winslet vale o ingresso.

Burger (à esquerda) já avisou que não volta pra sequência

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

View Comments

  • Marcelo,
    Parabéns pela atividade incrível que realiza aqui. É um prazer conhecer seu trabalho.
    Aprecio seus comentários e sua maneira clara e impecável de escrever e descrever.

    Grande Abraço,
    Diogo de Souza

  • West side story hahahahahahhahah!
    E o fã clube do livro!?
    AiAi....
    Rimos muito mas pelas razões erradas :P

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