Guerra é o primeiro passo na criação de um universo DC

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Quando do lançamento de Flash: Ponto de Ignição (Justice League: Flashpoint Paradox, 2013) , no ano passado, a Warner anunciou um movimento relativamente ousado para sua linha de animação lançada diretamente em DVD. Depois de anos adaptando minisséries e arcos fechados em episódios não-relacionados, a Warner/DC tenta encontrar uma coesão entre seus lançamentos animados, buscando emular o mesmo que acontece nas histórias em quadrinhos das quais elas derivam. Ou seja, basicamente a mesma coisa que o Marvel Studios tem feito com sucesso no cinema. A coisa é tão descarada que até o recurso da cena escondida pós-créditos (usado e abusado pela Marvel desde Homem de Ferro, de 2008)  foi utilizado. Ao final de Ponto de Ignição, uma cena mostra um tubo de explosão de onde surgem parademônios de Apokolips. Para os fãs de longa data, aquilo já entregava quem seria o vilão da próxima animação da empresa.

Aqui talvez seja necessário um pouco de contexto. Em setembro de 2011, a DC reformulou toda a sua linha de quadrinhos. Todos os personagens da editora tiveram seus títulos cancelados e relançados sob uma nova numeração dentro da iniciativa chamada “Os Novos 52”. Isso implicou mudanças não só nas origens, como nas personalidades e mesmo nas identidades de alguns deles. Justice League: Origins foi o primeiro arco de histórias estrelado pela Liga da Justiça nos quadrinhos e é daí que esta adaptação tira sua inspiração.

Liga da Justiça: Guerra (Justice League: War, 2013) não se esforça para sair dos clichês desse tipo de história, algo que foi visto recentemente em Os Vingadores (The Avengers, 2012) e se resume, basicamente ao seguinte: em um mundo em que heróis trabalham separadamente, surge uma ameaça grande demais para qualquer um deles deter sozinho. Logo, eles precisam se unir para salvá-lo. Como já mostrado em Ponto de Ignição, a ameaça é o vilão Darkseid, regente de Apokolips, um planeta cujos recursos naturais foram esgotados. O plano de Darkseid consiste em enviar sua tropas para a Terra, destruir qualquer resistência no caminho e tornar o planeta algo mais do seu agrado. Essa mesma trama, com poucas variações, foi usada tanto nos primeiros episódios da série de animação da Liga, onde o grupo enfrenta uma invasão de marcianos brancos, quanto no recente O Homem de Aço (Man of Steel, 2013).

O que é novo em Guerra é a forma como as novas personalidades dos heróis são apresentadas ao público. Se a Liga da Justiça clássica sempre contou com Super-Homem, Batman, O Caçador de Marte, Aquaman, Mulher-Maravilha, Lanterna Verde e Flash, nos Novos 52 há duas mudanças. Saem Ajax e Aquaman e entram Ciborgue (personagem mais conhecido pelo período em que integrou os Novos Titãs) e o Capitão Marvel, que assumiu definitivamente a alcunha pela qual é mais conhecido: Shazam. A forma como as personalidades mudaram causa um certo incômodo nos fãs mais antigos. O Lanterna Verde deixa de ser um personagem ousado para ser apenas impulsivo e bobo; Billy Batson, o Shazam, ao invés do jovem valoroso escolhido pelo mago Shazam para defender a humanidade, é um adolescente folgado; Barry Allen é uma versão um pouco menos inteligente do Flash ao qual nos acostumamos; Victor Stone, o Ciborgue, tem problemas paternos, pois se dedica ao futebol americano, quando o pai, um cientista, gostaria que o filho seguisse seus passos; Batman continua quase o mesmo, mas, assim como o Flash, se torna menos formidável; a Mulher-Maravilha personifica a princesa guerreira que faz diplomacia com sua espada e decapita/mutila/amputa antes e pergunta depois; e o Super-Homem não lembra em nada o personagem clássico, pois usa seus poderes de maneira imprudente e não se importa nem um pouco em reduzir seus adversários a pó e qualquer civil pego no fogo cruzado é apenas uma “casualidade de guerra”. Ou seja, bastante similar à sua recente versão cinematográfica. E todos eles também passaram por reformulações visuais.

O longa tem seus méritos, mas eles se resumem, basicamente, ao fato de o roteiro de Heath Corson ter optado por manter a carga de violência apresentada na história original (escrita por Geoff Johns). Há um sem-número de sequências onde parademônios são destruídos. Até mesmo o conflito entre a Liga e Darkseid é bastante gráfico e incomum nesse tipo de produção. Por outro lado, Ponto de Ignição também se mostrou bastante violento, e pode-se deduzir que a Warner/DC deve estar querendo elevar a faixa etária do público de suas animações para espelhar o que acontece em seus gibis.

Como as mudanças de personalidades devem incomodar apenas os fãs mais antigos, é seguro dizer que Liga da Justiça: Guerra é um longa bastante divertido e deve agradar às gerações mais novas. E não se esqueça de assistir até o final dos créditos, pois a cena escondida dá uma ideia de quem será a figura central da próxima animação da WB/DC. O longa já está disponível no mercado de homevideo.

As novas personalidades parecem menos brilhantes

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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