por Rodrigo Seabra
Acaba de chegar ao Netflix brasileiro (mas ainda sem previsão de lançamento em DVD) o filme Frances Ha, que vem sendo bastante comentado e elogiado desde suas primeiras exibições, em 2012, em diversos festivais internacionais dedicados ao cinema independente. Lançada comercialmente em 2013, a produção da brasileira RT Features inclusive garantiu lugar em muitas listas de melhores do ano passado. Parte dessa atenção se deve à sua atriz principal, Greta Gerwig, musa do movimento chamado mumblecore e tida como “it girl” indie dos últimos anos. Aqui, ela também assina como co-autora do roteiro, trabalhando mais uma vez ao lado do namorado, o diretor e co-roteirista Noah Baumbach (de A Lula e a Baleia, 2005). Além dos dois, temos ainda Mickey Sumner (que viverá a lendária roqueira Patti Smith no filme CBGB), no papel de melhor amiga da protagonista, e os promissores Adam Driver (o esquisito Adam da série Girls) e Michael Zegen (visto como o prisioneiro Randall em The Walking Dead).
Apesar de tantos comentários e elogios recebidos até o momento, temos de nos dobrar ao fato de que não é fácil escrever a respeito de um filme como Frances Ha. Talvez a partir dessa introdução, o leitor já prepare seu melhor prejulgamento e conclua apressado que o filme é muito complexo, quem sabe até pesado, como são tantos independentes. Mas não é isso, ou é mais como o contrário disso. O caso é que, embora o conteúdo apresentado tenha lá sua profundidade psicológica, ele parece ao mesmo tempo não andar nem ficar parado. É um retrato quase estático, uma história que nunca começa, que nunca fica definida, o que torna difícil a tarefa de descrever exatamente qual é a trama em questão. E, se falta assunto para o próprio filme, não é uma análise que virá salvá-lo.
Partindo da suposição mais simples, é compreensível – um lugar-comum até aceitável – acreditarmos que qualquer filme nasce com o propósito de contar uma história. Ela pode até se disfarçar na forma de uma premissa estreita e esticada, como em uma fitinha de terror que não tem roteiro nenhum depois dos dez minutos iniciais. Mas espera-se que seja pelo menos algo narrável e explicável para outra pessoa. Pois então, aí vai uma possível descrição de Frances Ha: começa com um recorte em um certo dia na vida da protagonista, quando ela precisa se mudar do apartamento onde vive com sua melhor amiga; daí, nada de muito notável acontece durante o que parecem ser uns poucos meses, e então tudo termina em outro dia da vida da mesma protagonista.
Não entenda mal, o filme certamente segue um roteiro feito com algum cuidado. As coisas se sucedem em uma linha do tempo simples, com montagens bonitinhas cortando caminho aqui e ali, e os diálogos e relações fazem sentido. Dá para concluir fácil e rápido que a protagonista, uma aspirante a dançarina profissional, está perdida naquela idade crucial entre os 25 e os 30 anos, quando tanta gente ainda não sabe o que fazer da vida adulta depois da faculdade. A moça se mostra levemente imatura, dentro do compreensível, certamente inconsequente e mesmo um pouco fechada.
Só que falta polpa para dizer a respeito do que tratam aqueles 80 minutos de projeção – sim, o filme é curto e pode-se dizer econômico em sua falta de assunto. Aí reside a dificuldade em compreender aqueles que dizem que é um dos melhores de 2013. Quem sabe talvez seja só um retrato (mais uma vez, estático) pouco ousado de uma certa idade na vida? Ou de uma amizade que fica levemente abalada por um momento? Sim, essa parece ser uma descrição inócua o suficiente. Será que faltou enxergar algo subjacente? Alguma metáfora, uma pista sutil de alguma iluminação da protagonista? Será que a pretendida trajetória da relação entre as duas amigas, que não dá mais que um soluço, era para ser vista como um salto épico? E a fotografia em preto e branco? Hm, talvez seja um sinal de que a vida dela realmente não acontece, aham, em muitas “cores”.
Por outro lado, quem disser que é terrível está mentindo. Não há nada ali para ser considerado assim tão ruim. A intenção do filme é boa, a execução é competente, algumas cenas são feitas para enternecer. Frances é uma personagem cativante em sua desorientação, e o roteiro não é particularmente cruel com ela. Dá para dizer também que a direção de Baumbach não se perde, mesmo que a própria narrativa nunca se firme com um propósito. E, acima de tudo, a atuação de Gerwig é perfeita, sensacional. É fácil acreditar que ela sempre foi aquela moça e nunca qualquer outra pessoa, que aqueles problemas são seus e são reais, que ela realmente quer subir na vida seguindo sua paixão, e que ela sofre, se ilude e se consola com o que acontece à sua volta. Não à toa, a atriz foi indicada a diversos prêmios mundo afora e acaba de ser escolhida como protagonista da nova comédia televisiva How I Met Your Dad, em um papel aparentemente bem semelhante a este aqui.
Mas… o que Gerwig/Frances faz durante todo o tempo do filme, mesmo? Ela tem uma melhor amiga e mora aqui; então, tem de ir morar ali; depois nem se sabe mais como foi parar em outro lugar, porque isso não foi exposto e nem importa. Os minutos iniciais são parecidos com quaisquer passagens no meio e com os momentos finais. Enquanto isso, outras vidas ao redor dela vão também acontecendo aos poucos, como na vida de todo mundo. Sabe o seu amigo que casou? Pois é. E o outro que mudou de apartamento? Normal. E quanto àquela amiga que te ligou esses dias? Tudo bem. A festinha que seus pais deram em casa no fim do ano e de que você mal se lembra? Foi bacana. Ah, sim, não se esqueça de que a situação no seu emprego mudou um pouco, mas você nem sabe quantificar ou explicar a diferença pras pessoas, de tão insignificante.
De repente, você se assusta com os créditos subindo enquanto ainda espera uma história acontecer. Só resta pensar: será que vale tanto falatório? Afinal, é “tudo” isso o que acontece em Frances Ha. Ou seja, vidinha besta. Ou seja, nada. Com uma ou duas pitadas de inconsequência e uma boa atuação.
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