Chiwetel Ejiofor vive 12 anos de escravidão

por Marcelo Seabra

Algumas verdades precisam ser reafirmadas de tempos em tempos para não caírem no esquecimento, e passagens trágicas da história devem ser revisitadas para não serem repetidas. Essas funções são muito bem desempenhadas por 12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave, 2013), longa que mostra de forma realista o horror da escravidão nos Estados Unidos do século XVIII e vem recebendo diversos prêmios, todos merecidos. Ótimas atuações, uma história brutal e emocionante e mais um grande trabalho do diretor Steve McQueen, enfiando o dedo numa ferida americana.

Em Django Livre (Django Unchained, 2012), temos uma amostra absurda e divertida do que era ser escravo nos Estados Unidos. Com roteiro de John Ridley (de Três Reis, 1999), McQueen faz o oposto, filmando o livro homônimo que conta a experiência real de um negro livre sequestrado e vendido como escravo. Como o título diz, são doze anos passando por situações inimagináveis, um terror perfeitamente possível tornado ainda mais sofrido pela atuação impecável de Chiwetel Ejiofor, merecidamente indicado a uma pancada de prêmios. Já reconhecido por seu talento há algum tempo, ele tem em sua bagagem longas despretensiosos como Simplesmente Amor (Love Actually, 2003) e outros mais engajados politicamente, como Coisas Belas e Sujas (Dirty Pretty Things, 2002). No ano passado, apareceu na produção da HBO Phil Spector. Já era hora de um ator desse peso receber um papel forte como o de Solomon Northup.

Quando percebe que ninguém vai denunciar a injustiça cometida contra ele, Solomon passa a aceitar o que lhe é imposto, já que outra reação poderia levá-lo à morte. Quando somos apresentados ao primeiro senhor a quem ele serve, percebemos o início de uma discussão interessante: um sujeito que trata os outros bem, mas mantém escravos, pode ser uma pessoa boa? O contraste entre os personagens de Benedict Cumberbatch (de Álbum de Família, 2013) e Michael Fassbender (de O Conselheiro do Crime, 2013 – acima) leva o público a refletir, mas o cineasta não pretende dar respostas. Fazer pensar já é mais do que suficiente. Fassbender, em sua terceira colaboração com McQueen (depois de Hunger, 2008, e Shame, 2011), tem mais uma atuação excepcional, à frente de um elenco notável que inclui gente como Paul Giamatti, Sarah Paulson, Paul Dano, Alfre Woodard e a ótima estreante Lupita Nyong’o, que rouba as cenas em que aparece como a escrava objeto da obsessão de seu senhor.

Northup parece sobreviver à espera do dia em que sua situação será corrigida, e isso lhe dá forças para continuar. Mas e os demais, que nasceram cativos e provavelmente morrerão assim? É uma realidade muito fora para os que vivem hoje em grandes centros urbanos, mas seria assim tão distante para todos? 12 Anos de Escravidão esfrega na cara do público uma verdade inconveniente e McQueen comprova a extensão de seu talento ao conduzir um longa maduro, bonito temática e esteticamente e muito bem amarrado.

Lupita é uma ótima revelação

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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  • Belíssima crítica Marcelo. Ainda pretendo escrever sobre o filme, mas ainda não achei o momento certo e as palavras corretas para descrever a experiência que esse filme é. Torço demais por ele no Oscar, embora eu prefira Ela, 12 Anos de Escravidão tem um papel social maior e merece o prêmio para mostrar a dura realidade recente da escravidão.

  • Vi esse filme logo depois de ter lido "Uncle Tom's Cabin", um clássico da literatura dos anos 1860. Mais de 600 páginas, mas que valem cada minuto. As duas histórias, tanto a real (do Northup) como a fictícia (do "Pai Tomás") são muito interligadas.

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