A ninfomaníaca de von Trier começa sua história

por Marcelo Seabra

Nymphomaniac

Como falar de um filme que não terminou? Defensores da obra podem dizer que não há como criticar, se não é algo completo. Mas, se não terminou, como pode ter defensores? Talvez, os fãs do irascível Lars von Trier, diretor e roteirista dinamarquês já acusado de preconceituoso, marqueteiro e até de abusar emocionalmente de seus atores. A verdade é que Ninfomaníaca (Nymphomaniac, 2013) causou bastante barulho desde o seu anúncio devido ao volume de nudez e sexo, mas não passa de um filme vazio como sua protagonista.

A sociedade hoje já está bem acomodada quando o assunto é sexo. Para chocar ou causar uma impressão mais forte, é necessário ser algo muito transgressor, ou ao menos inovador. E Von Trier faz um filme convencional, episódico, em que a personagem principal se contenta em contar a um desconhecido espectador histórias de sua vida e como ela fez questão de se entregar a todo homem que cruzou o seu caminho, chegando a dez em um dia. Todos devidamente organizados em períodos, claros. A relação entre os dois é de fato novidade? O que ela estava fazendo caída na rua? Por que o sujeito a leva para casa? São questões que provavelmente serão respondidas na próxima parte. As chances do público ir para casa insatisfeito são grandes, e ficarão assim até o fim de março, quando chega aos cinemas o final da história.

Nymphomaniac gainsbourgCharlotte Gainsbourg, a escolhida como atriz principal, tem uma estabelecida carreira internacional, com filmes falados em inglês e em francês – apesar de nascida em Londres, ela foi criada em Paris pelos famosos pais franceses, Jane Birkin e Serge Gainsbourg. Com o diretor, ela já havia trabalhado em duas oportunidades: Melancolia (Melancholia, 2011) e Anticristo (Antichrist, 2009). Mas, ao menos nesta primeira Nymphomaniac martinparte, não é Gainsbourg quem mais aparece, mas sua versão mais jovem, o modelo e atriz estreante Stacy Martin. Insossa, a garota fica em cena por bastante tempo, já que tudo gira em torno dela. Isso, quando não é substituída por algo como um “dublê pornô” nas cenas mais gráficas. Quando as coisas esquentam, os atores saem e dão lugar a quem vai fazer aquilo de fato, quem foi contratado apenas pelo corpinho e pelo talento na cama.

É muito raro ver uma cena de nudez ou sexo em um filme e considerá-la realmente indispensável à trama. A maioria é totalmente desnecessária, como acontece aqui. Em vários momentos, a sugestão teria resolvido facilmente a questão, mas von Trier insiste em querer chocar, provocar ou seja lá o que passa na cabeça dele. Os closes nos órgãos sexuais dos dois gêneros eram mesmo importantes? Algumas de suas opções teriam que ser explicadas pelo próprio, e cabe a nós tirar uma conclusão e pensar se ela é satisfatória. Para que seriam aqueles dois minutos iniciais de tela escura? E as músicas de heavy metal que pontuam o início e o final, e até o meio? E de onde surgiu o homem (vivido por Stellan Skarsgård, visto nos dois Thor) que resgata Joe, um solteirão extremamente culto que tem uma metáfora ou uma relação com pescaria para cada impropério contado pela garota?

A primeira parte de Ninfomaníaca deixa mais dúvidas do que esclarece. Afinal, as incertezas vão se enfileirando, no aguardo de uma resolução apropriada. Mas não acontecerá nessas duas horas, talvez nas próximas duas. Personagens interessantes não devem voltar, como a esposa traída de Uma Thurman, certamente o que o filme tem de melhor. Gente como Willem Dafoe nem deu as caras ainda. E, infelizmente, Shia LaBeouf, como um dos vários homens da história de Joe, talvez o mais importante e o mais inverossímil, aparece nas duas partes, o que não ajuda o resultado. Christian Slater, canastrão e sem uma maquiagem apropriada, é outro que não colabora. Para um veredicto mais apurado, vamos aguardar a parte dois para termos: 1- uma bela surpresa ou; 2- uma triste confirmação.

Martin e LaBeouf têm algumas cenas tórridas

Martin e LaBeouf têm algumas cenas tórridas

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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