por Marcelo Seabra
A criatura de Frankenstein vem assombrando gerações há séculos e já ganhou vida no Cinema várias vezes. Além de adaptações mais fiéis, a criação de Mary Shelley serviu de inspiração para muitas histórias derivadas, e nem sempre o resultado é dos melhores. Uma delas acaba de estrear na telona e deve causar estranhamento em muita gente: em Frankenstein: Entre Anjos e Demônios (I, Frankenstein, 2014), a criatura se vê envolvida numa luta milenar entre dois clãs e precisa descobrir qual é o seu papel nessa guerra. E ninguém menos que Aaron Eckhart (de Batman: O Cavaleiro das Trevas, 2008) vive o protagonista, que praticamente se torna um galã, mesmo tendo sido formado pelos cadáveres de oito pessoas.
Em 1990, Roger Corman misturou a história da escritora com a ficção que ela criou em Frankenstein: O Monstro das Trevas (Frankenstein Unbound) e deu um filme bem interessante. Mais recentemente, em sua pequena editora, o roteirista, quadrinista e ator Kevin Grevioux, criador da franquia Anjos da Noite (Underworld), escreveu uma revista com o personagem e vendeu os direitos de adaptação para a Lakeshore Entertainment. Quando o roteirista Stuart Beattie foi contratado e assumiu a direção, os dois se juntaram para escrever a versão final do texto. Beattie, ao mesmo tempo em que é lembrado por ter escrito o ótimo Colateral (2004) e o bem sucedido Piratas do Caribe (2003), é culpado por coisas como Austrália (2008) e G.I. Joe: A Origem de Cobra (2009).
No início de I, Frankenstein, temos um resumão da história, para situar os desprevenidos, e vemos a criatura matando a noiva de Victor. O monstro foge para o norte, Victor o segue a acaba morrendo congelado. A criatura, então, sai pelo mundo, sempre evitando a humanidade, numa jornada bem solitária. Os delírios de Grevioux começam aí, pegando elementos de Underworld e jogando o monstro clássico no meio. Uma raça de demônios infiltrada no nosso mundo tenta dominar e escravizar os humanos, e um grupo de gárgulas enviadas por anjos luta contra. O príncipe demônio (é, isso existe – lá, ao menos) é o grande vilão, e temos um Bill Nighy (de Questão de Tempo, 2013) quase constrangido, parece que ele não sabe dizer não a um convite. Á frente do outro time, Miranda Otto (de Flores Raras, 2013) comanda aqueles que deveriam ser os mocinhos, mas tomam atitudes tão estranhas que concluímos que ninguém no filme é confiável.
Por algum motivo, o Frankenstein de Eckhart é imortal e indestrutível, praticamente um super-herói. Como ele já existe há algumas centenas de anos, sua inteligência se desenvolveu consideravelmente e suas cicatrizes são bem mais discretas – além do cabelo estiloso, num corte bem moderno. Ele nem chama muita atenção quando passa no meio de multidões. Além da trama ser descabida, alguns conceitos são jogados no público e nunca resolvidos, como a discussão sobre alma. E temos ainda a linda Yvonne Strahovski (de Dexter) num papel equivocado de uma cientista especialista em reanimação, uma espécie de aprendiz moderna e boboca de Victor Frankenstein.
Com um monstro de Frankenstein bonito, inteligente e forte, fica difícil associá-lo à rica criação de Mary Shelley. Ele é tão atormentado quanto um menino rico que ficou sem Danoninho. As lutas são exageradas e pouco inventivas. Ninguém explica as explosões e os fogos que insistem em aparecer, e os closes na cara de monstros apenas para eles fazerem cara de mau e grunhirem são ridículos. E os personagens, rasos e aborrecidos, não ajudam em nada, com intérpretes no piloto automático. Um garoto de uns 12 anos que saía da sessão comentou que adorou o filme. Logo na sequência, respondendo ao filho, o pai soltou um sonoro “Detestei”. Deve haver um público para esse Frankenstein, mas eu definitivamente não faço parte dessa turma.