O que aconteceu na TV em 2013

por Rodrigo Seabra

Bem vindo a mais uma retrospectiva d’O Pipoqueiro com os destaques em séries de TV do ano que passou. Como nos anos anteriores, o que procuramos fazer não é aquela tradicional lista de melhores e piores e nem exatamente uma coluna de crítica subjetiva com impressões profissionais bem calculadas. Tudo bem, talvez haja um toque de avaliação aqui e ali, mas a intenção é misturar o conteúdo das listas mais confiáveis, divulgadas agora em dezembro, com uma visão geral do que foi visto e dito ao longo de 2013 na imprensa especializada.

A análise do ano televisivo de 2013 tem um lado curioso: houve uma inversão indesejada, porém óbvia, na qualidade dos programas transmitidos no começo e no final do ano. O que aconteceu foi que o primeiro semestre superou com folga a temporada de outono que deveria ser o grande chamariz do ano na televisão norte-americana. Os primeiros meses se sustentaram muito bem com as continuações do outono anterior, um midseason consistente em estreias e retornos, uma primavera excepcionalmente repleta de bons programas e ainda uma programação de verão ocasionalmente interessante. Veio então a chamada fall season, iniciada em setembro na TV aberta, e, mesmo em termos absolutos, só pôde ser classificada como um verdadeiro fiasco, algo que não se via há muito tempo. Não foi, no geral, um ano ruim, longe disso.

Aos olhos da crítica – e, convenhamos, da própria história da televisão –, o grande acontecimento do ano foi sem dúvida o encerramento de Breaking Bad. A série já vinha sendo considerada por muita gente boa como a melhor ou uma das melhores de todos os tempos e um símbolo inquestionável dos anos de ouro que estamos vivendo na TV. Fechou seu ciclo com cinco temporadas altamente aclamadas e um histórico de excelentes críticas desde a estreia, algo muito raro de se ver. O episódio final, mesmo que muitíssimo aguardado e condizente com o caminhar da série, suscitou críticas isoladas (e pertinentes) com relação a certas liberdades tomadas pelos escritores e produtores, mas nem isso ofuscou os elogios espalhados por todos os veículos importantes que fazem cobertura de televisão.

Outros grandes dramas chamaram a atenção mais para o começo do ano e foram muito bem lembrados nas recentes listas de melhores. Por exemplo, um dos maiores trunfos daquele primeiro semestre foi a estreia de Hannibal, com irrepreensíveis atuações de Mads Mikkelsen e Hugh Dancy. A fotografia sombria, a onipresente trilha sonora de gelar os ossos e a cuidadosa montagem das refeições preparadas pelo refinado psicopata Hannibal Lecter se reuniram para criar um clima ao mesmo tempo aterrorizante, opressivo e sedutor, e fortíssimo, considerando-se que é uma série da TV aberta norte-americana.

Ao lado dela, tivemos pelo menos duas outras gratas surpresas nos primeiros meses. Orphan Black, com a história de uma moça que se descobre clonada, mereceu efusivos elogios para a então desconhecida Tatiana Maslany, que já ganhou diversos prêmios e indicações ao se desdobrar em múltiplos papéis bem diferentes como se fosse uma veterana. Além dela, também The Americans conquistou olhares ao recriar a tensão entre americanos e soviéticos no começo dos anos 1980, não apenas com um grande trabalho de maquiagem e cenografia, mas também por um belo uso de músicas da época. A ação e as intrigas do casal espião são entremeadas pelo drama de seu casamento de mentira e por uma alternância muito bem vinda entre as diversas faces dos protagonistas.

The Good Wife, tanto no final de sua quarta temporada quanto no começo da quinta, continua a ser, sem qualquer dúvida, a melhor série da TV aberta americana na avaliação de 9 entre 10 críticos sérios. Se engana quem, iludido pelo título, pensa se tratar de algum dramalhão para senhoras. Longe de afetações novelescas, a série traz diálogos afiadíssimos em roteiros enxutos, instigantes disputas de tribunal entre advogados ególatras e temas sociais e políticos sempre complexos, muito atuais e tratados de maneira acessível. E talvez o melhor de tudo: trafega, de maneira quase exclusiva na televisão atual, entre os formatos episódico e serializado, amarrando muito bem os interessantes “casos da semana” e as longas narrativas e evoluções dos personagens.

O segundo semestre trouxe para o cabo a excelente Masters of Sex, que romantiza a luta do Dr. William Masters e sua assistente Virginia Johnson (brilhantemente interpretados por Michael Sheen e Lizzy Caplan) para compreender melhor a sexualidade humana no final dos anos 1950. Além da perfeita recriação da mentalidade e dos usos de época, a série se destaca pela química inegável entre os protagonistas e pela construção perfeita do relacionamento entre eles, tudo fortemente temperado pelas atividades controversas que o médico decidiu empreender naqueles tempos tão moralistas.

Completando a nata de 2013, Justified é uma presença discreta, porém constante nas listas de melhores desde sua estreia. A sempre tecnicamente brilhante Game of Thrones teve mais uma grande temporada, apesar de ainda criticada, com razão, pelos episódios muito arrastados e apenas pontuados por ocasionais grandes acontecimentos. Mad Men continua sendo uma excelente hora de televisão, mas teve uma sexta temporada de pouca expressão – ainda muito discutida e lembrada, como sempre, mas menos reverenciada por causa da irregularidade de temas e episódios. Homeland, tão incrível em sua primeira temporada e sólida na segunda, acabou sendo recebida com poucos rojões no terceiro ano, só se reerguendo nos episódios finais. The Walking Dead continua sendo uma espécie de “pária” da crítica: é ao mesmo tempo uma das maiores diversões do público espectador – a audiência da série no cabo é excepcional até para padrões de TV aberta –, mas, por muitos motivos que se somam, jamais é levada a sério no cômputo geral. Mereceram recomendações também a francesa Les Revenants e a inglesa Broadchurch, ambas exibidas nos EUA e prestes a ganharem versões norte-americanas, tamanho o sucesso. E há ocasionais menções exultantes a séries virtualmente ignoradas pela audiência, como Southland (que encerrou sua trajetória elogiada como nunca antes), Enlightened (dramédia da HBO que também acabou este ano e evoluiu tremendamente desde seu primeiro episódio), Treme (sempre qualificada como outra bela produção da HBO) e Rectify (tida pela maioria como contemplativa, de tão lenta, mas extremamente bem recebida pela crítica).

Outros nomes ganham uma atenção um pouco diferenciada. O primeiro é House of Cards. Não dá para dizer que o drama político de Kevin Spacey empolgou o mundo inteiro só com seu bom e complicado enredo. É certo que a série foi bem recebida e assistida em maratonas, mas ela só se tornou assunto inescapável de verdade pelo fato de não ter sido lançada por qualquer canal de TV, e sim pelo serviço de aluguel de conteúdo Netflix, mostrando que o modelo convencional de TV terá concorrência seríssima nos próximos anos. Em segundo lugar, devem ser lembrados The Blacklist e Sleepy Hollow como os únicos dramas dentre os estreantes da temporada de outono a ganhar qualquer tipo de menção positiva, ainda sem empolgação. Ausentes de qualquer lista de fim de ano, comprovam como o segundo semestre foi decepcionante para a TV americana. E, por fim, Top of the Lake desfila em uma categoria mais ou menos à parte como a grande minissérie do ano. A produção neozelandesa de Jane Campion arrebatou a crítica e mostrou que Elisabeth Moss sabe fazer muito mais do que Mad Men.

Em termos de destaques negativos, deixando de lado o que foi rapidamente cancelado e esquecido, podemos começar relembrando os nomes de The Bridge, Under The Dome, The Following (renovadas para uma segunda temporada) e Low Winter Sun (cancelada). Todas traziam boas expectativas e decepcionaram com roteiros frouxos e resultados comuns. Mas sem dúvida os dois fiascos mais comentados nos fóruns e sites especializados foram a última temporada da antes badalada Dexter e a estreia incrivelmente anticlimática da produção mais aguardada de toda a temporada de outono, Marvel’s Agents of S.H.I.E.L.D. (um péssimo título, aliás, segundo avaliação em peso da crítica e do público). Dexter já vinha dando sinais de afundamento irreversível há anos, de modo que a derradeira temporada só confirmou o estado lamentável de uma série que teve um começo muito promissor. Em particular, o episódio final e o destino dos protagonistas foram destroçados pela crítica e pelo público. Já a estreante S.H.I.E.L.D. teve uma história meteórica. De uma ideia aparentemente caça-níqueis nascida de uma hora para a outra, ganhou uma encomenda inicial em tempo recorde e, por motivos que no máximo somente tangenciavam a série em si, gerou rapidamente um falatório absurdo. Se pararmos pra pensar, não é difícil perceber que o hype vinha embasado por muito pouco. Afinal, Joss Whedon seria apenas um nome nos créditos, sem envolvimento diário com a série; e o megassucesso Os Vingadores teria, no máximo, uma ligação temática vaga com o conteúdo a ser desenvolvido. Não deu outra: a série nunca decolou. Nem é exatamente ruim, mas demorou demais a encontrar seu foco e deixou todo mundo frustrado. A decepção do público e da crítica se mostrou suficiente para coroá-la como um dos grandes fracassos de 2013.

No meio do caminho entre dramas e comédias, Orange Is The New Black foi uma das séries do ano. Ganhou muita visibilidade não só pelas óbvias qualidades de seu roteiro esperto, personagens interessantes e elenco diversificado, mas também por seu papel na revolução da “televisão fora da televisão” – mais uma vez, obra do Netflix. A série começou focando no apuro da menina bem nascida que vai parar na cadeia, mas logo extrapolou para a história das outras presidiárias e do dia-a-dia daquele ambiente, lembrando uma variação mais divertida e envolvente da lendária OZ, da HBO.

Já no quesito das comédias mais tradicionais… Bem, se a intenção é fazer uma retrospectiva dos destaques televisivos de 2013, então só podemos começar este tópico pelo lado negativo.

É impossível não reparar como o ano em geral e a temporada de estreias de 2013 em particular foram tristes com relação às novas séries humorísticas. É comum vermos os canais abertos insistindo em empurrar programinhas genéricos e sem qualquer inspiração que todo mundo enxerga que não vão render nada, a não ser, parece, os próprios executivos que são pagos para entender de TV e insistem em aprovar a falta de qualidade. Na temporada iniciada em setembro, os desastres se contam em duas mãos, entre as produções já devidamente canceladas e aquelas que continuam a se arrastar sem agradar. São pavores como Super Fun Night, Dads, We Are Men, Mom, Sean Saves The World, Kirstie, The Millers, Welcome to The Family, 1600 Penn (que estreou ainda em dezembro de 2012 e afundou de vez no começo do ano) e as menos malhadas, mas decididamente fracas, The Crazy Ones e The Michael J. Fox Show, que só mereceram alguma atenção por conta de seus atores principais. Junto a elas, mais pontos baixos foram herdados de outros carnavais sofríveis, como Anger Management, Mike & Molly, 2 Broke Girls e a morta-viva Two And a Half Men, já apodrecida e cheirando mal há pelo menos três temporadas.

Entre as comédias novatas, somente Brooklyn Nine-Nine foi mais ou menos bem falada logo de começo, mas ainda recomendada sem entusiasmo, corroborando a péssima safra de sitcoms. Ao lado dela, nas últimas semanas veio sutilmente subindo nas preferências a também estreante Trophy Wife como uma espécie de segredo bem guardado. A conferir.

O ano em baixa também não ajudou os destaques de listas anteriores. Pra começar, 2012 já tinha ceifado representantes interessantes do gênero, como Happy Endings, Don’t Trust The B—- e a promissora Ben & Kate. Então, Louie, sempre tão bem quista, não foi exibida em 2013, assim como Curb Your Enthusiasm. Janeiro viu o último suspiro de uma das melhores comédias da década passada, a brilhante 30 Rock. E Community, sem seu criador Dan Harmon, teve uma quarta temporada ainda aplaudida, porém muito irregular, distanciando-se da genialidade já experimentada em outros anos.

Dentre as continuações, os nomes com mais peso foram Bob’s Burgers, New Girl e Parks & Recreation. Mereceram boas posições nos rankings e permaneceram firmes em sua trajetória no reino das comédias simpáticas e bem escritas, que garantem a diversão inteligente e não fazem o espectador ter a sensação de que perdeu meia-hora. E Girls, a grande falação do ano passado, ainda rendeu algum alarde, mesmo alternando entre pontos razoáveis e outros muito baixos, sem encontrar um foco narrativo. Felizmente, permaneceu longe de cair para o plano das comédias mais “comuns” da TV aberta, ostentando o experimentalismo e a ousadia do selo HBO. Talvez por isso tenha conseguido posições razoáveis nas lembranças dos comentaristas.

Curiosamente correndo à margem de tudo, inclusive das listas, The Big Bang Theory já vinha sendo louvada com muita consistência pelos melhores críticos nos últimos anos, e 2013 não foi diferente. A comédia continua amealhando altíssimos índices de audiência em plena sétima temporada, mas, raridade no gênero, conquistou o respeito da crítica especializada ao trazer personagens que de certa forma evoluem e ao mostrar enorme competência em explorar um terreno ultrarrepetitivo que ainda consegue revelar detalhes, introduzir gente nova e desenvolver arcos interessantes.

Enquanto isso, Veep, da HBO, é constantemente lembrada como algo a ser degustado pelos mais exigentes. Modern Family continua sendo injustamente muito premiada e com zero menções entre as melhores. E é importante não esquecer da pequena notável The Middle, uma ótima opção de comédia familiar que não rompe barreiras, não entra para a história e jamais alcança as listas de fim de ano, mas foi lembrada e elogiada por alguns bons críticos ao longo do ano por seu texto sempre despretensioso e pelas excelentes atuações, especialmente dos filhos da família Heck.

Assim foi 2013. Dezenas de outras séries nem foram mencionadas aqui ou na preferência dos bons críticos. Se não se sobressaíram, é certo que algumas também não fizeram tão feio assim. Oscilam entre o recomendável e o estranho. E uma retrospectiva é tão objetiva quanto possível, mas é claro que tantos outros títulos podem merecer considerações diferentes, como os novelões exagerados (Scandal, Revenge), o humor mais corrosivo (Sunny in Philadelphia, Archer), as animações com um toque mais ingênuo (Adventure Time), a ação sanguinolenta (Spartacus) ou um grande drama de época (Downton Abbey – abaixo). Mesmo tendo sido um ano irregular, ainda não foi desta vez que faltou variedade para o espectador.

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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