O surreal Cinema francês traz A Espuma dos Dias

por Marcelo Seabra

Escritor que acumulava outras tantas ocupações, o intelectual francês Boris Vian viveu apenas 39 anos, mas criou uma produção extensa. Entre críticas, artigos, poemas e até músicas, ele deixou um livro que trazia a maior parte das características observadas em sua obra: amor não convencional, crítica social, universos surreais, jazz, objetos, títulos e palavras inventadas. A adaptação de A Espuma dos Dias (L’écume des Jours, 2013) acaba de chegar aos cinemas nacionais, nos circuitos ditos de arte, e certamente vai causar estranheza a quem não conhece o trabalho de Vian.

Além de vários videoclipes, documentários e curtas, Michel Gondry ficou famoso por dirigir Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004), longa sensível marcado por uma invenção inusitada: um procedimento que permite a uma pessoa apagar outra de suas lembranças. Em A Espuma dos Dias, ele entra de cabeça num universo sem regras, de um realismo fantástico de encher os olhos. Com roteiro de Luc Bossi (de Fuga Pela Vida, 2011), Gondry dá asas à imaginação em cada quadro, cada canto dos apartamentos dos personagens, com figurinos, direção de arte e design de produção primorosos.

Um fator que deve ajudar a levar público aos cinemas é a presença da eterna Amélie Poulain Audrey Tautou. Ela vive Chloé, a jovem por quem Colin (Romain Duris, de A Datilógrafa, 2012) cai de amores. Ele passa os dias a inventar e testar suas invenções, e percebe ser o único solteiro de seu círculo de amigos, que inclui o versátil empregado Nicolas (Omar Sy, de Intocáveis, 2011 – acima, à direita), o casal politizado Chick (Gad Elmaleh, de O Ditador, 2012) e Alise (Aïssa Maïga, de Caché, 2005) e Isis (Charlotte Lebon), a namorada de Nicolas que o apresenta a Chloé. A música de Duke Ellington permeia as festas, com danças que demandam um movimento de pernas impossível de ser imitado, e o filósofo Jean Paul Sartre é frequentemente citado, sob a alcunha de Jean-Sol Partre.

Os dias vão passando e a tragédia se anuncia quando Chloé se descobre com uma doença raríssima: uma flor cresce em seu pulmão. Ela começa a precisar de cuidados médicos constantes e é nesse ponto que o longa começa a se arrastar. Até a metade, tudo corre muito bem, mas o tom muda radicalmente, abandonando o bom humor de então. Com 130 minutos de projeção, a experiência se torna um tanto cansativa até para o mais aguerrido cinéfilo. No escurinho do cinema, à noite, é um convite para o sono. A proposta surreal segue firme até o fim, difícil é não dormir.

E o diagnóstico é: flor!

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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