por Marcelo Seabra
Como os anos de atuação de Hiroito se restringiram às décadas de 50, 60 e 70, seu nome não é dos mais famosos hoje. Logo, seria necessária uma maior contextualização sobre o personagem. Não é isso que temos no longa, também dirigido por Flávio Frederico. Muitas informações são abordadas de raspão e outras são apenas dadas como notórias. Os saltos no tempo do roteiro não ajudam, o público fica boiando em diversos momentos da exibição. Em um, por exemplo, o personagem simplesmente sai da cadeia, apesar das várias acusações que enfrenta, e somos obrigados a deduzir que ele comprou a força policial local.
Vivendo o protagonista, Daniel de Oliveira tenta fazer o possível com o que lhe é dado e se resume a usar maneirismos para mostrar o quanto é mau, apesar do tipo magro. Seu Hiroito é um personagem falho, o roteiro usa subterfúgios óbvios para estabelecer verdades, como mostrar o sujeito lendo um livro para mostrar que ele era culto. Uma vez tendo provado o ponto, o texto não vê necessidade de voltar naquele aspecto, parecendo ter muito a mostrar em pouco tempo. Pode ter sido uma escolha de Frederico, para evitar um tom episódico, ou até uma restrição de orçamento, mas o longa acaba cheio de buracos.
Oliveira já mostrou competência em diversos trabalhos, e muitos não esquecem seu Cazuza (de 2004). Ele só está precisando ler melhor os roteiros que topa fazer, para evitar confusões como 400 Contra 1 (2010) ou esse Boca. Hermila Guedes, de Assalto ao Banco Central (2011), interpreta a esposa de Hiroito, uma prostituta por quem o chefão cai de amores e que nunca define se é parceira do marido no crime ou se prefere que ele saia daquela vida. Ela é mostrada em cenas que reforçam ambas as situações. Milhem Cortaz, dos dois Tropa de Elite e de Assalto, é sempre um ator interessante, mas seu personagem aparece quando é conveniente para o filme, e nunca chega a ser menos que raso. Esse, inclusive, é o problema de todos que cercam o Hiroito cinematográfico, como o traficante concorrente vivido por Jefferson Brasil ou o policial corrupto de Paulo César Peréio. Leandra Leal, então, entra e sai pela mesma porta.
Após ler um pouco sobre a história do Rei da Boca, constatamos que realmente se trata de uma figura rica, que poderia ter sido bem explorada pelo cinema. Ele veio de uma família de recursos, tinha uma relação complicada com o pai, que foi brutalmente assassinado, e ele ainda foi acusado do crime. Passou a morar na zona que frequentava e montou um bordel que o faria crescer na região. Diz-se que sua ficha criminal corrida tinha mais de 20 metros. Elementos suficientes para se ter um novo Scarface, ou algo assim, mas não foi desta vez. Apesar de uma fotografia competente, um clima noir muito apropriado e uma boa direção de Frederico, que opta por pular certas passagens desnecessárias e óbvias que causariam pouco ou nenhum efeito sobre o público, Boca peca pela falta de um (anti)herói bem delimitado, que criasse um mínimo de identificação com o espectador, que poderia até entender a lógica de suas ações. Para que isso aconteça, é melhor buscar o livro do verdadeiro Hiroito.
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Ressaltamos os mesmos defeitos e mencionamos inclusive Scarface. Mas, diferente de você, eu gostei de Daniel de Oliveira, embora reconheça que o roteiro desenvolve mal o Hiroito (a citação à leitura e o posterior abandono foram observações preciosas).
Opa, vou aproveitar e conferir o seu texto!
Abraço!