por Marcelo Seabra
Com trabalhos variados como Extermínio (28 Days Later, 2002), Caiu do Céu (Millions, 2004), Sunshine (2007) e Quem Quer Ser um Milionário? (Slumdog Millionaire, 2008), pelo qual ganhou o Oscar, o diretor Danny Boyle resolveu voltar às origens. A linha seguida no ótimo Cova Rasa (Shallow Grave, 1994) e no já cult Trainspotting (1996) volta a dar as caras no novo Em Transe (Trance, 2013), suspense violento que traz um elenco afiado numa trama que tenta ser mais esperta que o público.
Um pouco mais pretensioso do que deveria, o roteiro de Joe Ahearne (da série Da Vinci’s Demons) e John Hodge (em sua quinta colaboração com Boyle) envolve hipnose quando um sujeito precisa se lembrar do que fez com um valioso quadro roubado. A gangue (ao lado) que pretende dividir a fortuna do quadro precisa contratar uma profissional para resolver o problema do amnésico, e o papel deles na história vai mudando à medida que recebemos mais informação. O clichê “nada é o que parece” define bem, e é bom falar o mínimo.
À frente dos atores, James McAvoy (de Conspiração Americana, 2010) tem a presença necessária para segurar as pontas. Mas, sem perceber, ele perde a posição de protagonista para Vincent Cassel (de Cisne Negro, 2010), que por sua vez vê Rosario Dawson (de Fogo Contra Fogo, 2012) facilmente tomar a dianteira. E os três ficam nessa dança os cem minutos de projeção, mostrando um equilíbrio perfeito e a interação que o projeto precisava. Alguns recursos técnicos enriquecem, como mostrar parte da ação em um iPad, e o clima de “filme do Guy Ritchie” ganha uma modernizada. A imagem por vezes dá a impressão que está a um passo de sair do foco, numa metáfora visual inteligente para a mente de Simon.
Como Christopher Nolan está em alta, é lugar comum ficar comparando-o com o que quer que seja, e Em Transe não escapou dessa. Há cenas que confundem por utilizar a mente do personagem como cenário, e A Origem (Inception, 2010) é mencionado em algumas críticas. Na verdade, os dois longas se assemelham em um aspecto que pode ser apontado como negativo: sonhos, lembranças, ou a estrutura da mente de uma forma geral, não são tão certinhos, tão lógicos. Se isso, a forma como a hipnoterapeuta lida com o tratamento, chega a ser um defeito, depende da leitura do espectador. Amnésia (Memento, 2001), outro trabalho de Nolan, estaria mais próximo, já que também traz uma pessoa com problemas relacionados a informações perdidas após um trauma na cabeça. Ambos deixam o público perdido em um momento ou outro, mas terminam fazendo sentido. Mas a abordagem aqui é bem diferente do neo noir de Nolan.
Alguns roteiros se julgam tão intricados que, para amarrar as pontas, acabam negando informações já entregues e atropelam a própria lógica que estabeleceram. Isso é chamar o espectador de estúpido, e é um erro que Em Transe não comete (como no recente Chamada de Emergência, 2013). Mas, depois de tantas reviravoltas, o final já não importa muito. Ainda mais quando as soluções são tão simplistas e entregues de bandeja. Se hipnotizadores fossem tão certeiros, com resultados tão bons, a maioria dos problemas psicológicos do mundo estaria resolvida. Apesar dos pesares, trata-se de uma obra bem realizada, que satisfaz na falta de um programa melhor.