por Marcelo Seabra
Uma prova do benefício que as premiações trazem aos filmes é Indomável Sonhadora (Beasts of the Southern Wild, 2012), obra que ganhou muita atenção e atingiu um público amplo após o Festival de Cannes, do qual saiu com quatro prêmios – isso, para ficar no evento mais badalado. E quem mais lucra com isso é o espectador, que tem acesso a um filme belo, curto e simples. Sem estar nos holofotes, sem grandes nomes envolvidos, demoraria muito mais até chegar ao Brasil. E muito menos seria exibido nos cinemas, vantagem garantida também pelas indicações ao Oscar.
O diretor de primeira viagem Benh Zeitlin, depois de três curtas, decidiu passar para seu primeiro longa adaptando a peça de um só ato da amiga Lucy Alibar. Juntos, eles escreveram o roteiro e acabaram criando um dos mais elogiados filmes do ano. Morando em Nova Orleans, Zeitlin se aliou a profissionais locais e o projeto começou a ganhar forma, mesmo tendo um orçamento extremamente restrito. Para as vagas de protagonistas, foram escolhidos uma menina (mais nova do que procuravam) que não tinha qualquer tipo de experiência atuando, mas que convenceu a todos no teste; e um adulto, para viver o pai, que atendia a equipe em sua padaria nos intervalos da produção. A pequena Quvenzhané Wallis tinha apenas cinco anos quando foi escolhida e seis durante as filmagens – o que faz dela a pessoa mais jovem a receber uma indicação ao Oscar. O pai é vivido por Dwight Henry, um pacato padeiro que pretendia abrir sua segunda Buttermilk Drop, mas teve que mudar de planos quando o furacão Katrina atacou.
Não é muito simples entender a geografia do longa. A história é ambientada na costa de Nova Orleans, numa ilha fictícia chamada Ilha de Charles Doucet e apelidada de A Banheira. A comunidade, que parece não ter contato com o resto do mundo, periga ser inundada por tempestades previstas e sua população deve ser evacuada. O arredio Wink não pretende abandonar sua casa e se mantém otimista, nada de mal vai acontecer. Sua filha, Hushpuppy, não conhece outra realidade e se acha a menina mais sortuda que existe, mesmo vivendo na pobreza, sozinha com o pai. Há, ainda, a ameaça iminente de criaturas pré-históricas que podem voltar à vida com o degelo de calotas polares, e a garota terá que ser corajosa. Essa é a premissa para acompanharmos Hushpuppy durante um curto período em que ela é obrigada a amadurecer.
Feito com muita simplicidade e com atuações de não-profissionais, Indomável Sonhadora é bem finalizado e traz ao público um sentimento positivo: mesmo frente a diversas adversidades, aquelas pessoas ainda encontram coisas bonitas na vida. Mesmo sem ter qualquer noção disso, Hushpuppy é cercada de poesia em seu dia a dia, buscando comunicar-se com o coração das pessoas. Os tais auroques, seres reais retratados em figuras rupestres, trazem ao mesmo tempo uma metáfora sobre o crescimento e a firmeza da menina e uma mensagem pró-ecologia, discreta e bem vinda, em tempos de aquecimento global. Ganhando prêmios ou não (o que é mais provável, mesmo merecendo), Indomável Sonhadora já é um longa vitorioso.
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Gostaria muito de revê-lo na telona, mas São Luís, como sempre, não recebeu cópias. O meu segundo favorito no Oscar, perdendo só para Amor.
Uma pena... Em BH, chega hoje, em umas poucas salas.