por Marcelo Seabra
Longe de ser uma garantia de bons filmes, Richard Gere volta e meia acerta na mosca nos projetos que escolhe estrelar. Cabe ao público peneirar e descobrir as pérolas, caso de As Duas Faces de Um Crime (Primal Fear, 1996), por exemplo. Felizmente, cabe nesse grupo a estreia de Nicholas Jarecki na direção, A Negociação (Arbitrage, 2012), longa que chega aos cinemas esta semana trazendo uma ótima interpretação de Gere, que vive o tipo que amamos odiar. Não foi surpresa que o ator tenha sido lembrado entre as indicações ao Globo de Ouro 2013, anunciadas recentemente.
Gere interpreta Robert Miller, um milionário muito bem visto na sociedade que está no meio do processo de venda de suas empresas. Em determinado momento, sua filha Brooke (Brit Marling, de A Outra Terra, 2011 – foto) pergunta por que ele estaria vendendo tudo, e ele apenas desconversa. Logo descobrimos que Miller deu um jeito de encobrir seus registros financeiros pegando dinheiro emprestado para tapar buracos. A venda das empresas o salvaria financeiramente e seria um dos maiores casos de fraude da história. Nada muito longe do que vemos nos jornais diariamente e que o filme Margin Call – O Dia Antes do Fim (2011) mostrou muito bem.
Além dessa situação financeira, Miller também guarda segredos em sua vida pessoal: ele mantém uma amante (a belíssima Laetitia Casta, de Gainsbourg, 2010 – ao lado) na folha de pagamento de sua empresa sob a desculpa de patrocínio às artes, já que ela gerencia uma galeria, e a refinada esposa (Susan Sarandon, do segundo Wall Street, 2010) já se acostumou com as fugas do marido. Como se não bastasse a situação da negociação das empresas, com vários empecilhos sendo colocados pelo comprador, Miller se vê em meio a uma investigação de assassinato que poderá trazer muita atenção indesejada para ele.
Com a classe e a tranquilidade de sempre (que nem sempre casam bem com o papel), Gere confere a seu Robert o ar necessário de um almofadinha que está acostumado a se safar de qualquer situação, mas está bem ciente de sua condição de engodo. A forma como ele dispensa uma revista que traz a sua foto na capa é bem sugestiva. O detetive vivido por Tim Roth (da série Lie to Me) representa o sentimento de busca por justiça que qualquer um teria nessa situação, ele parece acostumado a ver poderosos saírem livres de acusações sérias. Dessa vez, ele pretende conseguir uma condenação. Susan Sarandon faz uma mulher que, apesar de forte e socialmente atuante, é resignada quanto aos casos do marido e se contenta em ter uma bela família e recursos financeiros que parecem intermináveis.
Jarecki evita o jargão do mercado financeiro e consegue criar um interessante suspense. Roteirista do fraco Informers – Geração Perdida (2008), ele parte para um mundo que conhece, já que vem de uma família próspera e é filho do filantropo Henry Jalecki, conhecido pelo pioneirismo nas estratégias de negociação de commodities. Além deste pano de fundo, que parece uma bomba pronta a explodir, ele ainda insere a investigação de assassinato, o que eleva bastante a tensão, e consegue deixar tudo muito bem costurado. É curioso perceber que, mesmo sabendo que o personagem não vale nada, torcemos por ele, o que traz até um certo sentimento de culpa. Este é um mundo sem heróis, e Miller vai buscar sobreviver, não importa em quem tenha que pisar.