por Marcelo Seabra
Ex-crítico de cinema e cineasta bissexto, o francês Leos Carax entrega mais um trabalho, quatro anos depois do anterior, Tokyo! (2008). Já está no circuito dito de arte Holy Motors (2012), longa que deve passar batido pela maioria da população, mas que vai recompensar quem se atrever a conhecer Monsieur Oscar. Não é uma obra muito simples conceitualmente, mas não se trata de nada estranho ou hermético, muito menos enganoso, à moda de David Lynch. Quanto mais se assiste, mais claras as coisas ficam, apesar de nunca ficarem totalmente explicadas. Cabe a interpretação do público, que junta as peças e define sua verdade.
Trata-se do sexto longa de Carax, nome artístico de Alexandre Oscar Dupont. Ele conseguiu grande destaque em 1984 com sua estreia, Boy Meets Girl, que foi muito elogiado em Cannes, e repetiu o feito este ano. Mais uma vez, o diretor convida seu ator fetiche, Denis Lavant, muito lembrado por Os Amantes de Pont-Neuf (1991), para o papel principal. Édith Scob também participou de Pont-Neuf, mas a maior parte de suas cenas acabou cortada, o que fez Carax querer compensar a atriz, escalada aqui como a motorista de M. Oscar. O monstro do cinema francês Michel Piccoli, visto recentemente em Habemus Papam (2011), faz uma ponta, assim como as mais badaladas Eva Mendes (de The Spirit, 2008) e Kylie Minogue, cantora que participa de filmes e séries esporadicamente.
Holy Motors começa com uma rápida introdução onde um sujeito (Carax) acorda em seu apartamento e se descobre dentro de um cinema. A partir daí, conhecemos M. Oscar (Lavant, acima), um personagem misterioso que parece pular de uma vida a outra para cumprir todos os trabalhos programados no início de seu longo dia. Assim como em Cosmópolis (2012), ele tem uma limusine branca como escritório e sua motorista (Édith) vai levando-o de um compromisso a outro. Cada entrada na limusine significa uma cara nova, e ele mesmo faz a maquiagem e toda a composição do próximo trabalho.
Em um dos momentos curtos que vive (ou atua), M. Oscar diz à filha que o castigo dela por ter mentido ao pai era viver como ela mesma, com todo o peso que isso traz. Talvez, dessa frase, podemos supor que ele próprio viva várias vidas para não precisar ser ele mesmo, o que suscita um interessante questionamento sobre identidade e até realidade. Em meio a tantos papéis, fica difícil conhecer o verdadeiro Oscar, e as informações para que isso aconteça são jogadas às migalhas, formando um prazeroso quebra-cabeça.
Com a(s) história(s) de Monsieur Oscar, Carax consegue driblar o estigma de que filmes de arte são sem pé nem cabeça, como alguns gostam de afirmar, ou mesmo cansativos. Holy Motors é um programa para quem procura algo a mais, fugindo das tramas habituais no estilo Hollywood. Não que o cinemão americano não produza bom entretenimento, mas é bom saber que não é só isso que existe, há outras opções.