por Marcelo Seabra
Um conceito pode variar de acordo com o ponto de vista de quem o analisa. Selvagem, por exemplo, pode ser usado para definir traficantes de drogas que decapitam seus rivais. Ou para dois jovens amigos que dividem a mesma namorada sem qualquer tipo de rixa. No novo filme de Oliver Stone, é exatamente isso que acontece: em Selvagens (Savages, 2012), todos se vêem como certos, e o outro está errado. Afinal, até um psicopata mercenário tem direito de opinar, por mais louco que ele seja.
Stone é responsável por inegáveis clássicos do Cinema recente, como Platoon (1986) e Wall Street (1987). Mas também responde por longas cansativos, como Nixon (1995) e Alexandre (2004), que parecem ser feitos para agradar a si mesmo. Se mais alguém gostar, melhor. Selvagens entra nesse time, sendo desnecessariamente longo, com um roteiro que parece ter sido escrito até a metade, deixando as coisas acontecerem dali em diante, como se os personagens tivessem vida independente. Partindo do livro de Don Winslow, Stone, Shane Salerno (Shaft, 2000) e o próprio autor escreveram esse conto sobre o mundo das drogas, onde as autoridades parecem não ter autoridade alguma e são os chefões que fazem as regras e estabelecem o jogo. Se você quiser entrar, é preciso estar preparado para o pior.
Para viverem os protagonistas, foram convocados jovens atores que têm tido destaque em outras produções, mas não saem do piloto automático aqui. Taylor Kitsch (esquerda), apesar de Battleship (2012), viveu John Carter no longa divertido e injustiçado de mesmo nome (2012), além de ter feito um bom trabalho na série Friday Night Lights. E Aaron Johnson (direita) apareceu para o mundo ao mesmo tempo como John Lennon em O Garoto de Liverpool (Nowhere Boy, 2009) e como um super-herói improvisado em Kick-Ass (2010), duas boas e carismáticas interpretações. Os dois vivem Chon e Ben, dois amigos que têm personalidades bem diferentes, porém complementares. Chon é um ex-militar fortão e predisposto à violência, enquanto Ben é o cabeça do esquema, um budista que usa parte do dinheiro ganho com o cultivo e comércio de uma ótima maconha para ajudar comunidades pobres pelo mundo.
A narração sem propósito é provida pela namorada de Ben e Chon, Ophelia, vivida pela bela e inexpressiva Blake Lively (a namorada do Lanterna Verde, de 2011). A primeira coisa que ela diz é que não é porque está narrando que ela termina a história viva, e em momento algum importa se ela morre ou vive. Estamos mais preocupados com os coadjuvantes que vão aparecendo, cada um mais caricato que o outro. John Travolta parece constrangido como o agente federal corrupto, Salma Hayek se diverte como a perua violenta que comanda um dos piores cartéis do mundo e Benicio Del Toro grunhe suas falas por trás de um bigode terrível. Outros atores relevantes são Demián Bichir (Uma Vida Melhor, 2011), Emile Hirsch (Na Natureza Selvagem, 2007) e Shea Whigham (Boardwalk Empire), mas eles pouco podem fazer com o que lhes cabe.
A trama engrena uma sucessão descontrolada de ações de ambos os lados quando Ben e Chon se recusam a ter o negócio dominado pela turma de Elena (Salma) e ela manda sequestrarem Ophelia, como forma de pressioná-los. Além de se arrastar por mais de duas horas, Selvagens ainda se dá o direito de ter dois finais, como se Stone tivesse ficado em dúvida sobre qual usar e acabasse usando ambos. A conclusão nada satisfatória mostra que o diretor deve ter ficado com medo de usar o material do livro, ou talvez tenha sido pressão do estúdio. Stone anda devendo um bom trabalho desde a década de 90, mas ele tem estado mais preocupado com os governos de países das Américas do Sul e Central, que renderam os documentários Ao Sul da Fronteira (2009) e Castro in Winter (2012). Se ele demorar demais a voltar à boa ficção, pode não ter mais ninguém aguardando.