por Marcelo Seabra
Como ator, Ben Affleck nunca fez nada além de correto, nenhum de seus esforços chamou muita atenção. Como diretor, no entanto, ele vem fazendo trabalhos cada vez melhores, tendo um reconhecimento que até então não conhecia. Argo (2012), que estreia nos cinemas esta semana, chega acompanhado por um burburinho de Oscar, tamanha é a qualidade da obra. Mesmo sendo baseado em um fato hoje amplamente divulgado, o longa não deixa de ter frescor e ineditismo: o que importa não é o final, mas como se chegou lá.
A história começa no fim da década de 70, quando Reza Pahlavi havia acabado de ser deposto do poder no Irã e devia à população explicações sobre as diversas atrocidades que cometeu. Quando o povo passou a pedir a cabeça do antigo líder, ele se aproveitou da saúde debilitada e pediu asilo político nos Estados Unidos e se internou. Com isso, os americanos arrumaram um grande problema: todos os cidadãos residentes no Irã passaram a ser ameaçados, a embaixada do país foi invadida e os funcionários se tornaram reféns, acusados de espionagem.
O único dos prédios da embaixada que tinha ligação direta com a rua permitiu a um grupo de seis diplomatas fugirem pouco antes da invasão. Eles conseguiram se esconder na casa do embaixador canadense e lá ficaram por muitos dias, aguardando uma forma de saírem do país. Aí, entra o plano mirabolante de um especialista do governo em retirar pessoas de situações complicadas, como esta. Na impossibilidade de uma saída melhor, ele planeja forjar uma produção de cinema, com o auxílio de profissionais da área, para simular uma visita com fins culturais ao Irã e, assim, poder resgatar os “hóspedes” do embaixador.
Uma das vantagens de ser o diretor é poder definir qual papel ficará para si mesmo, e Affleck tem sido bem esperto. Assim como em Atração Perigosa (The Town, 2010), ele consegue ficar com um personagem ao mesmo tempo discreto, dentro de suas habilidades, e importante para a trama, e cumpre bem sua função. Quanto mais perto de ser o “cara normal”, mais o Affleck ator acerta (caso de A Grande Virada, 2011). A caracterização de todo o elenco é fantástica, e isso é muito importante para se contar essa história, já que o período tem uma identidade visual bem específica, com roupas, cabelos e bigodes bem peculiares. Ao final da exibição, é possível conferir imagens de arquivo dos protagonistas e das situações narradas, e o detalhismo na reconstituição é fantástico.
No elenco, temos a satisfação de ver o astro da TV Bryan Cranston (de Breaking Bad – ao lado) em um papel com um pouco mais de relevância que os que ele anda fazendo, caso de O Vingador do Futuro e Rock of Ages, por exemplo. Os veteranos John Goodman e Alan Arkin exibem a segurança habitual e são os responsáveis pelos momentos de bom humor, inclusive com tiradas ácidas sobre Hollywood e o mundo do Cinema. Como muitos figurões do governo se envolveram com o episódio, mesmo que de passagem, há várias participações pequenas, caso de Philip Baker Hall, Kyle Chandler e Bob Gunton. E abre-se a possibilidade de fazer uma bem fundamentada crítica ao fato de os Estados Unidos posarem de polícia do mundo e exemplo de ética e bom comportamento, o que não passa de balela. Apesar do assunto sério, o longa nunca deixa de entreter.
Os dizeres “Baseado em uma história real” sempre trazem uma dúvida: o que foi aumentado para propósitos dramáticos e o que realmente aconteceu? O roteirista Chris Terrio colocou alguns obstáculos a mais no caminho dos personagens, mas a verdade é que Argo, mesmo com pequenos exageros para aumentar o suspense, é ótimo cinema. E Ben Affleck, como o colega George Clooney (que entra aqui como produtor), merece ser acompanhado de perto como diretor.