Gonzagão e Gonzaguinha ganham homenagem no cinema

por Marcelo Seabra

Depois de levar para as telas a vida de uma famosa dupla sertaneja em Dois Filhos de Francisco (2005) e de usar as letras do “Rei” Roberto Carlos como inspiração para À Beira do Caminho (2012), Breno Silveira novamente mostra que tem uma relação forte com a música brasileira e que gosta de histórias dramáticas de superação e de laços familiares. Gonzaga – De Pai para Filho é o novo trabalho do diretor, que agora volta sua atenção para o “Rei do Baião” e o filho, dois cantores e instrumentistas consagrados cujas trajetórias se confundem com a história do país. Depois de marcar a abertura do Festival do Rio, a produção chega aos cinemas do país.

Já há alguns anos, Silveira e sua habitual parceira, a roteirista Patrícia Andrade, têm desenvolvido a cinebiografia de Luiz Gonzaga, e concluíram que era uma história muito rica para duas horas de filme. Por isso, decidiram focar na relação entre pai e filho, revelando como foi difícil o convívio entre os dois. Tudo, claro, fundamentado pela história de vida do pai, nascido em 1912 em Exu, no sertão de Pernambuco. Ele nunca deixou faltar nenhum bem material a Gonzaguinha, mas o garoto queria apenas ter um pai presente, enquanto era criado pelos padrinhos. Quinze horas de gravações de conversas entre os dois serviram de base para o roteiro e para estabelecer o tom do filme, que ainda contou com diversos depoimentos de amigos e parentes dos Gonzagas, que contribuíram também com objetos pessoais que foram aproveitados em cena.

O trabalho de reconstituição de época e de cenários é bem rico, passando por momentos marcantes do país. A fotografia tira bastante proveito das paisagens do sertão, com vários planos abertos mostrando como era dura a vida daquele povo. É de lá que Luiz Gonzaga sai fugido aos 17 anos, após receber uma ameaça de morte por ter se engraçado com a filha de um coronel. Chegando em Fortaleza, ele se alista no exército e segue paralelamente desenvolvendo o talento aprendido com o pai, o experiente músico e artesão Januário. Após dar baixa, ele vai parar no Rio de Janeiro, onde forma uma dupla com o violonista Xavier Pinheiro e tenta ganhar a vida tocando para o baixo meretrício da região.

Os anos vão passando e acompanhamos Gonzagão em sua escalada rumo ao sucesso, conhecemos aquela que viria a ser sua esposa e mãe do seu filho, Odaléia Guedes, e passamos também pelos momentos difíceis, que não foram poucos. O longa procura não fazer juízo de valor quanto a seus personagens, deixando para o público formar uma opinião. Não há maniqueísmo, ninguém é taxado de vilão ou herói. O próprio Gonzagão, a exemplo de Francisco (pai de Zezé e Luciano), é durão, às vezes frio e até injusto, mas nunca um sujeito desalmado ou odioso. É apenas uma pessoa que não tem respostas para todas as situações por que passa. Até Gonzaguinha é mostrado como um cara difícil, marcado por uma sensação de abandono que o torna arredio.

Assim como em Dois Filhos de Francisco, Silveira misturou atores profissionais com gente que nunca havia atuado. O resultado, com muito trabalho dos preparadores de elenco, traz autenticidade ao longa. Para viver Gonzaga pai em três faixas etárias diferentes, foram chamados o ator Land Vieira, o músico Chambinho do Acordeon e o guia do Museu Luiz Gonzaga Adélio Lima (ao lado, esq.), todos muito competentes. O único porém é a maquiagem, que não acompanha o passar dos anos, já que cada ator permanece no papel por muitos anos e não envelhece proporcionalmente. Para Gonzaguinha, escalou-se Giancarlo Di Tommaso, descoberto por testes, Alison Santos, que já havia sido testado para À Beira do Caminho, e Júlio Andrade (acima, dir.), que se apresentou e lutou pelo papel devido à admiração que nutria pelo músico, além da grande semelhança física.

Complementando o elenco, há alguns rostos reconhecidos do mundo das novelas. Nanda Costa, estrela na nova Salve Jorge, vive Odaléia, e aparecem também Sílvia Buarque, Cláudio Jaborandy, Luciano Quirino, Cyria Coentro, entre outros. Alguns nomes mais famosos fazem participações especiais, como João Miguel, Zezé Motta e Domingos Montagner. Foram mais de 200 atores e 600 figurantes, todos devidamente caracterizados com grande fidelidade ao local e época que retratavam. Este belo trabalho em equipe faz com que Gonzaga – De Pai para Filho não seja apenas uma homenagem aos dois biografados, mas uma boa experiência para fãs do cinema nacional.

Não foram só os Beatles que tocaram no terraço

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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