por Marcelo Seabra & Rodrigo “Piolho” Monteiro
Algumas adaptações de quadrinhos atingiram um resultado tão ruim que é necessário dar um tempo do personagem. Pois foram necessários dezessete anos para que se esquecesse O Juiz (Judge Dredd, 1995), aquele longa mequetrefe com Stallone, e se produzisse esse novo Dredd (2012), que chega maravilhosamente perto da essência do anti-herói criado por John Wagner e Carlos Ezquerra para a revista 2000AD. Além de agradar os fãs das revistas pela fidelidade ao material, é um longa de ação muito bem feito que não exige nenhuma experiência prévia para que se aprecie a sessão. Tem um roteiro bem amarrado, atuações interessantes e – o principal – é bastante violento, como sua base inspiradora.
Karl Urban, o Dr. “Bones” McCoy dos novos Star Trek, encarna o juiz Dredd como nenhum aficcionado sonharia. Ele não se rende à vaidade e permanece o filme inteiro com o capacete, marca registrada dos juizes de Mega City One. Eles assumem o papel de policial, júri, juiz e, muitas vezes, executor. Nada de processos, necessidade de provas e apelações. É tudo rápido e direto. Não à toa, os juízes são figuras bastante temidas nessas metrópoles. Eles são a justiça em supercidades que reúnem pedaços que sobraram dos Estados Unidos após a guerra nuclear de 2070. Na ordem que se seguiu, surgiram novas megalópoles que se estendem por milhares de quilômetros e abrigam centenas de milhões de pessoas. A exemplo de cidades medievais, elas são protegidas do ambiente externo por muros que as separam do deserto radioativo povoado por criaturas disformes. Órfãos dessas cidades são entregues para treinamentos desde cedo, visando aumentar o corpo de juízes – ou, ao menos, repor os falecidos em serviço, o que acontece com grande frequência. Dredd é o nome mais respeitado entre os colegas e um dos personagens ficcionais mais famosos da Inglaterra.
A história simples, fornecida por Alex Garland (de Não Me Abandone Jamais, 2010), foi muito bem aproveitada pelo diretor Pete Travis (de Ponto de Vista, de 2008). Interessante observar aqui que mesmo essa simplicidade é outro ponto a favor da fidelidade à fonte, já que os quadrinhos do Juiz nunca tiveram tramas muito elaboradas. No novo filme, Dredd é incumbido de acompanhar uma novata em um dia de trabalho para, ao final, avaliá-la e permitir ou não o ingresso dela na força de juízes. Cassandra Anderson (Olivia Thirlby, de A Hora da Escuridão, 2011) não teve ótimas notas nos testes, mas um talento muito raro fará com que tenha uma oportunidade de se provar: ela consegue ler mentes. Para o azar – ou sorte, depende do ponto de vista – de Anderson, a primeira chamada que ela a seu mentor recebem é a respeito de um assassinato triplo no que poderíamos chamar de favela vertical, um conjunto residencial com 200 andares chamado Peach Trees.
O assassinato, no entanto, revela-se resultado de um acerto de contas por disputa de pontos de vendas de uma nova droga chamada Slow-Mo, cujo efeito é fazer seus usuários passarem a ver o mundo com 1% de sua velocidade. Isso faz com que Travis use – e às vezes abuse – de sequências em câmera lenta tornadas mais belas e gráficas pelo 3D, especialmente aquelas nas quais tiros são disparados e sangue é jorrado. O papel de chefão do tráfico cabe a Ma-Ma (Lena Headey, de Game of Thrones) e assim que ela fica ciente de que dois juízes entraram em seu complexo e prenderam um empregado seu, ela convoca seus muitos asseclas para que façam o que for necessário para que a dupla nunca mais saia de lá.
Travis faz com que todos os aspectos técnicos funcionem perfeitamente e o fato de ele ter filmado diretamente em 3D – e não convertido – colabora para isso. É um dos poucos longas em 3D que o efeito realmente traz um diferencial, além do ingresso mais salgado. Outro fator que chama a atenção é o elenco, especialmente Urban e Lena. Só o fato de Urban passar todo o filme com o rosto encoberto pelo capacete do personagem (coisa que Stallone se recusou a fazer em 1995) mostra seu comprometimento com o papel. Sua interpretação é bastante seca e direta, o que também combina bastante com Dredd. A voz, que lembra Clint Eastwood, fica perfeita em frases icônicas como “Eu sou a Lei”. Já Lena é um caso à parte. A atriz (ao lado), que vem se especializando em produções voltadas ao dito “público nerd” (além de Game of Thrones, ela também protagonizou Terminator: The Sarah Connor Chronicles e 300), está bastante convincente no papel da ex-prostituta e traficante de drogas impiedosa. Mesmo sendo baixa e magrinha, ela consegue fazer de sua Ma-Ma uma figura temida.
Dredd não vai – nem pretende – mudar a história do cinema de ação. O roteiro, inclusive, lembra muito o indonésio Operação Invasão (ou The Raid, 2011). Tem aquele clima de filme policial dos anos 70, como a série de Dirty Harry, e visual bem cru. No fim das contas, pode-se dizer que é um filme correto, divertido e que, esperamos, terá uma continuação em breve. E Thomas Jane, fã e intérprete de O Justiceiro (o de 2004), deve estar morrendo de inveja. É algo assim que ele queria ter realizado.