por Marcelo Seabra
Três anos depois do lançamento do drama Hunger, o artista plástico, diretor e roteirista Steve McQueen (nenhum parentesco com o intérprete de Bullitt) reconvocou Michael Fassbender (hoje mais conhecido como o Magneto mais jovem de X-Men: Primeira Classe) para uma nova empreitada: Shame (2012), que curiosamente (como Drive) chega ao Brasil mantendo seu título original. O longa causou muito barulho pelo grande volume de nudez e sexo que apresenta. Mas não se trata apenas disso – apesar de serem muitas cenas mesmo. As ações de seus personagens chocam ainda mais, deixando o público preocupado com o futuro da humanidade.
Assim como acontecia em O Psicopata Americano (livro e filme), a cidade onde a história se passa parece ser fria, impessoal, superficial. Nova York, sempre ela, é populosa, mas seus habitantes não se sentem menos solitários por isso. E, assim como Patrick Bateman, Brandon Sullivan tenta arrumar uma forma de preencher um certo vazio existencial que o deixa sempre com um ar melancólico. Para o público feminino, isso é ótimo, já que a tristeza é vista como uma aura de mistério, o que torna Brandon mais atraente. O problema é que ele não consegue se relacionar emocionalmente e acaba compensando isso com uma compulsão por sexo. O humor e o exagero de Psicopata não estão presentes aqui.
Toda e qualquer desconhecida, para Brandon, serve para a mesma coisa: saciar sua necessidade. O problema chega a tomar tal proporção que não sobra tempo ou interesse para mais nada em sua vida, ele passa os dias entre pornografia e a consumação do ato propriamente dito. Seja com estranhas encontradas no metrô, seja com prostitutas. Brandon olha para uma mulher como um viciado olha para a seringa: é algo que lhe trará aquele prazer momentâneo, que é tudo o que ele deseja agora. Seu trabalho nunca é especificado, seu apartamento não tem muitos objetos que indiquem traços de sua personalidade e seus amigos são o chefe e os colegas de trabalho, com quem ele ocasionalmente sai para uns drinks.
Quando o filme começa, descobrimos a existência de uma irmã que Brandon tenta ignorar, evitando seus telefonemas e não dando retorno. Até que um dia ela resolve chegar de surpresa e estraga a vida milimetricamente planejada e vazia dele. Carey Mulligan, com seu tipo físico mirrado, novamente vive uma adolescente, como em Educação (2009) e Não Me Abandone Jamais (2010). Sissy Sullivan se diz uma cantora de bar, mas não costuma ter muitas oportunidades e resolve fazer uma visita ao irmão, aproveitando para economizar uns trocados vivendo com ele. Logo, começam os conflitos entre os irmãos: ela quer se aproximar, enquanto ele não quer ter laços que possam alterar sua rotina de sexo desenfreado. O passado dos dois pode esconder experiências traumáticas, mas isso não passa de pequenos sinais aqui e ali e nada fica claro.
O sentimento de tristeza acaba passando ao espectador, que é exposto àquela cidade que parece esmagar seus habitantes. É impossível vencer nessa Nova York, o que torna a letra da famosa canção tema de New York, New York uma mentira dolorosa, uma afirmação irônica – e, na voz de Mulligan, é ao mesmo tempo arrastada e de partir o coração. Assim como o filme, a música é triste. Vergonha, a tradução do título, é uma definição bem apropriada para o protagonista, que se esconde atrás de um estilo de vida aparentemente igual ao de todos os jovens e bem sucedidos executivos da região. Qualquer alteração nessa imagem cuidadosamente construída pode chamar atenção indesejada, e é o que a chegada da irmã representa.
Michael Fassbender passa por uma fase de onipresença, com nada menos que cinco longas e um curta lançados em 2011. Para 2012, chega a ficção-científica Prometheus e um novo trabalho com McQueen também está nos planos, estabelecendo mais uma parceria de sucesso no cinema. Depois de Hunger e Shame, podemos esperar que Twelve Years a Slave seja, no mínimo, algo marcante, que não deixará o público impassível.