por Marcelo Seabra
Em 1897, um filme dos irmãos Lumière chocou a platéia mostrando um trem chegando na estação. Foi um grande susto, o cinema era uma novidade e as pessoas acharam realmente que o trem ia atropelá-los. Hoje, essa mesma sensação seria causada por um 3D funcional – não por essa besteira que muitos têm feito. Pela primeira vez, vemos o efeito sendo bem empregado, e foi preciso ninguém menos que Martin Scorsese.
Com A Invenção de Hugo Cabret (Hugo, 2011), o mestre Scorsese (ao lado, em uma ponta no filme) enveredou por uma história infantil e viu ali um bom uso do 3D, criando cenários e situações em que o recurso realmente trabalha para a obra, ao invés de passar batido e escurecer a tela, como tem acontecido. Com seu parceiro habitual, o veterano designer de produção Dante Ferretti, o diretor apresenta lugares como a belíssima estação de trem onde o personagem título mora e uma livraria extremamente abarrotada de volumes, todos bem organizados em estantes.
Baseado no livro do escritor e ilustrador Brian Selznick, o filme acompanha a jornada de um menino órfão (Asa Butterfield, de O Menino do Pijama Listrado, de 2008) que vive com o tio beberrão (Ray Winstone, de O Fim da Escuridão, de 2010) numa estação de trem de Paris. Quando o tio desaparece, Hugo continua tocando sua vida sozinho, se escondendo do atrapalhado inspetor (Sacha Baron Cohen, mais conhecido como Borat) que tenta manter a estação em segurança. Se alimentado com pequenos roubos de croissants, Hugo busca conseguir as peças necessárias para terminar de consertar um projeto de seu pai (uma pequena participação de Jude Law, de Contágio, 2011), um autômato que estava abandonado em um museu.
Pego em um furto de peças, Hugo se vê obrigado a trabalhar para o dono da lojinha (Ben Kingsley, de Ilha do Medo, de 2010) para não ser denunciado ao inspetor. A relação entre os dois personagens permite a Scorsese fazer uma bela homenagem ao cinema, se aproximando tematicamente de outro indicado ao Oscar de Melhor Filme este ano: O Artista (The Artist, 2011). Com várias cenas curtas, diversos longas das primeiras décadas do cinema são apresentados, com maior destaque para George Méliès, que terá grande importância para a trama.
O roteiro, do bissexto John Logan (de O Aviador, de 2004, e O Último Samurai, de 2003), se enfraquece um pouco por se perder em personagens desnecessários (um deles vivido pelo “monstro” Christopher Lee), cenas com um humor rasteiro e previsível e uma trama principal com um drama meio meloso. Nada disso, no entanto, enfraquece o impacto das imagens, das referências e do belo tributo de Scorsese à sétima arte.
No mesmo ano em que lançou o excelente documentário Living in The Material World, sobre o beatle George Harrison, Martin Scorsese prova mais uma vez que é capaz de falar sobre basicamente tudo. Seu interesse principal parece estar voltado para protagonistas marginais à sociedade, mal compreendidos ou até mesmo criminosos. Com o aparentemente infantil Hugo, ele foi indicado pela Academia em 11 categorias, recordista deste ano. Levando algum ou não, sua relevância está garantida.
Bom saber que o filme e o 3D são bem feitos!
Vou tentar assistir esta semana. 🙂
É o primeiro bom uso do recurso que eu vi!
Não é de se estranhar que as melhores partes deste filme são aquelas que prestigiam a magia do cinema mesmo depois de um pouco mais de um centenário de vida. É uma ótima opção para se fazer uma sessão dupla com “O Artista” e depois, aventurar-se pelos primórdios da cinematografia até culminar com esta revolução tecnológica que vemos hoje ao colocar o espectador diante da ilusão de materialidade ao adentrar uma sessão de cinema.