Precisamos falar sobre o Kevin – e como!

por Marcelo Seabra

Quem não gosta de crianças não pode assistir a Precisamos Falar Sobre o Kevin (We Need to Talk About Kevin, 2011). O sentimento vai piorar imensamente. O Kevin do longa é comparável a Damien Thorn, mas aqui não se trata de uma história de terror sobre o filho do demo (como no clássico A Profecia, de 1976). Não deixa de ser uma história de terror, mas uma intimista, sem nada sobrenatural, apenas uma mãe que tenta lidar com um filho cada vez mais maligno. E real.

Em O Anjo Mau (The Good Son, 1993), Macaulay Culkin era um jovem mimado que fazia travessuras que passavam do limite e chegavam a ser maldades, causando acidentes. Sempre de forma caricata. Kevin é um menino plausível o suficiente para que nós acreditemos nele. Tem tanta expressão quanto Michael Myers (da série Halloween), mas é inteligente e se comunica bem, demonstrando ser mais esperto que a média. Mas há alguma coisa de ruim nele.

É bom esclarecer, depois das comparações acima, que Precisamos Falar Sobre o Kevin não é um filme convencional de terror. É um drama sobre eventos terríveis causados por um indivíduo supostamente normal, de uma família igualmente banal. Sempre tiveram uma boa situação financeira, os pais (ao lado) são disponíveis para os filhos, tudo parece correr bem. Mas, desde o primeiro momento, o menino teima em não cooperar com a mãe, sempre frustrando as expectativas dela, fazendo o pior. Ela parece sentir culpa por não já tentar ser a mãe que acredita que deveria ser. Para complicar, o garoto é carinhoso com o pai, frequentemente colocando pai e mãe em lados opostos.

No quesito atuação, o longa é mais do que satisfatório. Tilda Swinton, a oscarizada coadjuvante de Conduta de Risco (Michael Clayton, 2007), está ótima como a mãe confusa, que não sabe mais o que fazer, para onde correr. Um pouco menos andrógina que de costume (mesmo parecendo David Bowie), ela é a figura central. É quem acompanhamos nas idas e vindas temporais de um roteiro que foge do convencional, sempre deixando algo escondido para depois. John C. Reilly (de Chicago, 2002) é o pai desavisado, quase alienado, que não vê o monstro que cresce debaixo de seu teto. E o jovem Ezra Miller (da série Californication, onde seu nome é Damien!) vive Kevin na adolescência, com o mesmo olhar vazio dos intérpretes das outras faixas etárias. Miller consegue dar arrepios na espinha do espectador, que não entende o comportamento daquele menino tão adorável – ao menos, na fachada.

Em seu terceiro longa, a diretora Lynne Ramsay escolheu adaptar o livro consagrado de Lionel Shriver, escrevendo ela mesma o roteiro – que precisou reescrever para diminuir os custos de produções (e teve uma nova revisão de seu parceiro, Rory Kinnear). Afinal, o longa começou a ser desenvolvido em 2005, passou por vários perrengues financeiros, mesmo tendo a BBC Films e Steven Soderbergh produzindo. A Fox entrou na jogada em março de 2009 e as coisas começaram a andar um pouco mais rápido. As filmagens foram de 19 de abril ao fim de maio de 2010 e a estréia oficial foi no Festival de Cannes de 2011, partindo daí para o resto do mundo.

Se não foi possível pegar Precisamos Falar Sobre o Kevin no cinema, não o deixe passar em branco nas locadoras – no momento, é possível encontrá-lo em ambos. O mesmo assunto foi abordado recentemente no longa Tarde Demais (Beautiful Boy, 2011) e na série American Horror Story (2011), mas cada obra traz um enfoque diferente, buscando trabalhar um ângulo novo, sem necessariamente conseguir ou querer explicar as coisas. Na vida, não temos explicação para tudo.

Lynne Ramsay e seu ótimo elenco em Cannes

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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