por Marcelo Seabra
Mais do mesmo, no cinema, não é necessariamente ruim. Mas comprova a necessidade de um cineasta de pisar em terreno seguro e agradar. Várias continuações partem do já estabelecido e seguem um caminho independente, trazendo mais fôlego à série. No caso de Sherlock Holmes – O Jogo de Sombras (Sherlock Holmes: A Game of Shadows, 2011), a grande – e praticamente única – novidade é o vilão, tirado diretamente das histórias de Sir Arthur Conan Doyle: o Professor James Moriarty, o “Napoleão do crime”, como Conan Doyle o apelidou e o filme repete.
No longa de 2009, já comprovamos a ótima química entre os protagonistas, Robert Downey Jr. e Jude Law, que vivem o famoso detetive e seu fiel escudeiro, o Dr. John H. Watson. E já havia piadas sobre o relacionamento dos dois, supondo que pudesse haver algo de homossexual ali. Essas situações, agora, vão mais longe, chegando no limite do engraçado, quase se tornando fato. A rixa entre Holmes e Mary (Kelly Reilly), a noiva de Watson, se acentua com a chegada do casamento. Mary e Irene Adler (Rachel McAdams, que volta em uma ponta) servem como álibis para os dois, mas acabam sendo bem aproveitadas pelo roteiro.
Vários incidentes criminosos ocorridos na Europa parecem não ter relação alguma entre si. Holmes conecta tudo ao catedrático Moriarty (Jared Harris, da série Mad Men – ao lado), mas não tem como provar. O assassinato do príncipe herdeiro da Áustria, por exemplo, seria culpa do professor, mas foi declarado suicídio. A polícia, nas histórias de Conan Doyle, serve apenas como empecilho ou mero suporte para as ações de seu personagem. Só Holmes, com seu imenso poder de observação e dedução, consegue juntar os pontos, deixando o Inspetor Lestrade (Eddie Marsan) para trás.
Como Moriarty deixa claro que pretende tirar a dupla de seu caminho, Watson é mais uma vez envolvido e ele e Holmes viajam pelo mundo seguindo as pistas que conseguem para incriminar o vilão. Até as novelas da Globo têm um orçamento para cobrir viagens previstas nas tramas de suas novelas. A Warner preferiu não arriscar e cortou gastos. Ou temos locações genéricas, ou são efeitos visuais que dublam os lugares. A maior parte das filmagens ficou em Londres mesmo. Este seria o único problema técnico aparente, que é contrabalanceado por uma fantástica caracterização de época e por outra trilha sonora eficiente do veterano Hans Zimmer (que está trabalhando no terceiro Batman).
Como adição ao elenco original, além do ótimo Harris, que dá vida a Moriarty na dose certa de pompa e ameaça, chega Noomi Rapace, que chamou a atenção como a hacker da trilogia sueca Millenium (2009), refilmada por David Fincher recentemente. Sua personagem, a cigana Simza Heron, não tem muito destaque, mas cumpre bem o pouco que lhe cabe. E o irmão mais inteligente de Sherlock, Mycroft Holmes, dá as caras e rouba algumas cenas, mais uma vez mostrando o talento de Stephen Fry (de V de Vingança, 2006 – ao lado). Sua espirituosidade é bem vinda, mesmo que um certo momento constrangedor pudesse ter sido evitado.
O diretor do primeiro Sherlock, Guy Ritchie, conduziu também a sequência e não foi tão comedido ao recorrer a velhos hábitos, como edição rápida, dando muita agilidade a cenas de ação, e à câmera lenta, quando é necessário “explicar” alguma coisa. Essas “explicações” acontecem na cabeça de Holmes e, para ilustrar a inteligência de seu oponente, Moriarty também faz uso do recurso, o que cria um trecho bem interessante. Alguns momentos chegam a ficar confusos, necessitando “explicações”, o que deixa o filme um pouco burocrático. A diversão, no entanto, prevalece, mesmo não tendo muitas novidades.
O roteiro, do casal Kieran e Michele Mulroney, de Tempo de Crescer (Paper Man, 2009), aproveitou elementos das tramas de Conan Doyle, principalmente O Problema Final (de 1893) e O Signo dos Quatro (de 1890). Como Sherlock Holmes anda muito em evidência (há também em exibição atualmente uma elogiada série da TV inglesa) e já foi aproveitado exaustivamente em outras oportunidades, a proposta nessa franquia é usar histórias novas. Mesmo porque o que serviu de base para a primeira aventura foram os quadrinhos de Lionel Wingram, que colocam Holmes como um indivíduo mais ágil, atlético e até engraçado.
Um terceiro roteiro já foi encomendado pelo estúdio, o que não deixa de ser uma boa notícia. Será mais uma oportunidade para vermos a ótima interação entre Downey Jr., Law e companhia. Torçamos para que haja mais ousadia e que a trama realmente traga novos elementos, o que daria vida longa à franquia.
Fui com meu pai ver o filme. Achei um pouco melhor do que o primeiro… Mas é o mesmo Sherlock Holmes anabolizado pra geração “massavéio” de hoje. Sou mais o detetive clássico viciado em ópio e os filmes antigos, com mais mistério e menos ação. Mas ainda assim é um filme deveras divertido. Deu vontade de reler alguns dos contos dele.