O melhor coadjuvante de Shrek segue carreira solo

por Marcelo Seabra

Com a franquia de Shrek deixando a desejar desde o terceiro filme (e, confesso, dormi durante o quarto), era natural procurar uma forma de, partindo dela, criar vida nova. E o melhor jeito de fazer isso foi pegando um coadjuvante carismático e desenvolver a história dele. Chegamos, assim, a Gato de Botas (Puss in Boots, 2011), que pode ser considerado um filme de origem, como vários heróis dos quadrinhos têm ganhado. E é superior a pelo menos metade da franquia de Shrek.

Claramente inspirado em Zorro, o Gato de Botas é um espadachim órfão, nascido em uma cidadezinha espanhola, que se diz um grande amante e que passa a ser um fora da lei. Lembrando Rango (2011) em alguns momentos, o filme é basicamente um faroeste animado, com ação, piadas, referências pop (como O Clube do Feijão e suas regras) e cenas que homenageiam outros filmes. Um roteiro simples, ótima animação – em bom 3D – e personagens divertidos. Mesmo que não sejam muito profundos, cumprem suas obrigações.

Para que se tivesse um arco dramático, é criado um antagonista, o ovo Humpty Dumpty. Parecendo uma paródia de Lex Luthor (são várias as características em comum, até no nome do meio, Alexander), ele era o melhor amigo do protagonista, mas algo acabou com a amizade e o colocou como vilão, e assim ele é apresentado. Logo conhecemos Kitty, uma gata que participará da trama e será o interesse amoroso do Gato. De mocinha em perigo ela não tem nada e participa ativamente de tudo. Nada muito inovador, dá para perceber.

Com exceção do personagem-título, todos os demais foram criados para esse filme. O desenvolvimento ocorria simultaneamente ao de Shrek Para Sempre (Shrek Forever, 2010) e os roteiristas não podiam correr o risco de contradizer alguma coisa. Isso, além do fato de tratar-se de uma pré-sequência: não faria sentido usar mais medalhões da série. O próprio ogro verde nem é mencionado, já que ele conhece o Gato no segundo filme. Com a criação de novos personagens, é até possível que se inicie aqui uma nova franquia. Talvez por isso, Chris Miller, diretor do terceiro Shrek, tenha decidido aceitar este projeto: uma nova franquia dá mais futuro.

A maior atração de Gato de Botas é o elenco de dubladores. Como as falas são gravadas antes de se criar a animação, os atores contratados têm bastante liberdade, o que funciona muito bem na tela. Antonio Banderas, que já havia dado vida tanto ao Gato de Botas (em três longas do Shrek) quanto ao Zorro (em duas aventuras, de 1998 e 2005), deita e rola brincando com o estereótipo do machão espanhol, o que sempre traz graça ao personagem. Afinal, trata-se de um gatinho fofinho que engana a todos com aquele já característico olhar de piedade.

Completando o grupo, vem uma mexicana há muito conhecida de Banderas: Salma Hayek, que apareceu fora de seu país com A Balada do Pistoleiro (Desperado, 1995), justamente estrelado pelo ator. Eles tiveram vários outros trabalhos em comum, mas é a primeira vez em que só suas vozes “contracenam”. Zach Galifianakis, o gordinho louco de Se Beber, Não Case 1 e 2 (The Hangover, 2009 e 2011), dá voz a Dumpty e há ainda um casal de facínoras “vivido” por Billy Bob Thornton (de Escola de Idiotas, 2006) e Amy Sedaris (de Garota Infernal, 2009). Até o roteirista e diretor Guillermo del Toro (dos dois Hellboy e O Labirinto do Fauno), que entrou como produtor executivo, participa, pegando dois papéis secundários.

A versão dublada – sem querer desmerecer os profissionais brasileiros – deve perder muito do charme de Gato de Botas. Tudo é planejado com aqueles atores em mente, além de a própria animação ser baseada neles e em seus movimentos. E, se a dublagem seguir a legenda, várias tiradas engraçadas são perdidas, simplificando o humor do filme em diversos momentos.

O Gato de Botas e sua bela Kitty

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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