por Marcelo Seabra
Em temporada de premiações, a oferta nos cinemas torna-se fantástica. Se fosse assim o ano inteiro, todo o meu salário iria embora facilmente. E, em meio a tantas opções, confesso que pretendia deixar O Vencedor (The Fighter, 2010) passar batido. Mas o barulho em torno da atuação de Christian Bale foi tão grande que seria, no mínimo, o dever de qualquer projeto de crítico conferir a produção. Afinal, o ator escolhe projetos bem interessantes desde tenra idade, quando estrelou O Império do Sol (Empire of the Sun, 1987).
Toda temporada tem seu filme edificante, em que os personagens aprendem alguma coisa, vencem no final ou se tornam seres humanos melhores. Que o digam Um Sonho Possível (The Blind Side, 2009), que acabou dando o Oscar de Melhor Atriz a Sandra Bullock por ser a branca rica que salva o pobre menino negro, ou mesmo Preciosa (Precious, 2009), que levou o Oscar de Atriz Coadjuvante na mesma edição. Dois longas bem mais ou menos, que não me animariam a assistir a qualquer outro aos quais fossem comparados.
Mas O Vencedor não está nessa mesma categoria. Trata-se de um filme bem digno, que traz o boxe como pano de fundo, não como a estrela principal. Por ser baseado em uma história real, perderia muitos pontos se descobríssemos que algo ali era pura invenção. Isso enfraqueceu, por exemplo, Hurricane (1999), que atribui uma derrota de seu personagem ao racismo, quando ele, na verdade, foi simplesmente vencido por seu oponente. Uma boa história não precisa de exageros ou dramatização chorosa. Basta se ater aos fatos. E é o que parece ser o caso no atual candidato ao Oscar, já que a trajetória de Micky Ward é notória e o próprio lutador disse ao jornal USA Today que ficou muito feliz com o resultado.
Na tela, vemos um discreto Mark Wahlberg dar vida a Micky, um boxeador que treina com o irmão e é empresariado pela mãe. Acreditando em valores familiares, ele reluta em aceitar ajuda de fora para que sua carreira possa finalmente deslanchar. Todos têm boas intenções, mas isso não parece ser suficiente para que Micky consiga ter sucesso; ele serve sempre como trampolim para outros nomes dos ringues. Fugindo da óbvia referência à profissão do protagonista, o título original (“o lutador”) diz muito sobre sua vida, que não é nada fácil.
Fechando o núcleo principal, temos duas grandes performances. Melissa Leo defende o papel da esforçada e interesseira mãe dos lutadores, que consegue as lutas para Micky e claramente protege o problemático Dick. A atriz consegue mostrar bem as contradições da personagem, que quer o melhor para a família, mas entrega o filho para o abate por dinheiro. Do outro lado, temos Amy Adams vivendo Charlene, que encoraja o namorado, Micky, a investir em sua carreira e se coloca contra toda a família dele. Ambas estão merecidamente indicadas ao Oscar, e Melissa era até tida como favorita, mas sua vitória foi abalada por anúncios bancados pela própria atriz em busca de votos, o que não é bem visto no meio (e que abriu caminho para Hailee Steinfeld, de Bravura Indômita). Bale, no entanto, segue como provável Melhor Ator Coadjuvante do ano para a Academia.
O filme funciona por equilibrar o drama com momentos de humor, sem pender para o dramalhão, e pelo ótimo elenco, encabeçado pelo também produtor Wahlberg. As cenas de luta, propriamente, não têm muita importância, e acabam se tornando previsíveis. O diretor David O. Russell nem sempre acerta a mão (como no horrendo Huckabees – A Vida é uma Comédia, de 2004), mas já tinha ao menos um grande filme em seu currículo, Três Reis (Three Kings, 1999). O verdadeiro Micky, que é mostrado durante os créditos finais com Dick, dá o seu aval à produção: “Mark e Christian fizeram um ótimo trabalho. Estou muito orgulhoso da forma como eles retrataram tudo”. Não diria que é o melhor filme do ano, mas tem seu lugar de honra garantido e deve ter sua fatia de reconhecimento no Oscar do próximo domingo.
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