por Rodrigo Seabra
Vamos concordar: Superman: O Retorno não foi um bom filme. Entre atores mal-escolhidos e uma (ou três) resolução(ões) de filme que não se firmava(m), parece que Bryan Singer nunca teve uma boa ideia do que fazer com um personagem que se revelou muito maior do que ele podia carregar.
Escolheu um rostinho bonito sem qualquer critério de qualidade, um Luthor competente, mas muito diferente do esperado (Luthor é um figurão que chegou a presidente, não um alívio cômico – ao lado) e uma Lois Lane totalmente equivocada. Fechando a lambança, efeitos visuais muito aquém do desejável, um uniforme de óbvia inclinação homoerótica e longe demais do original, um “superfilho” impossível de ser gerado por ventre humano e a falta de ação que, dizem, foi o principal fator a espantar o público dos cinemas. Enfim, uma realização pífia de um bom diretor. Todo mundo que tem pés tropeça.
Encerrando esse assunto: se O Retorno tivesse sido um bom filme, não precisariam agora falar em reboot completo para o personagem. Em franco planejamento, um novo filme do personagem desperta esperanças e especulações dos fãs de quadrinhos, historicamente um pessoal muito afeito a paixões. E é justo por essa empolgação toda que esses mesmos fãs recaem, já há algum tempo, em um erro clássico curiosamente apontado pelos próprios em diversas outras oportunidades: a indicação do ator principal baseado unicamente em semelhança física com a referência dos quadrinhos. Nesse quesito, as escolhas que encontramos nos fóruns de discussão não mentem, com muitas personificações realmente boas daquele mítico camarada alto, musculoso, com cabelos pretos e olhos azuis, seu queixo quadrado e suas feições esculpidas.
Entretanto, o que Christopher Nolan, Zack Snyder e associados querem fazer nesse reinício de franquia guarda boas relações com a mentalidade por detrás dos novos Batman. Estamos falando de um produtor que preza pelo realismo e pela seriedade em suas contratações, e de um diretor que, soluços à parte, já demonstrou sua paixão pelo material quadrinístico ao adaptar tão fielmente quanto possível as graphic novels 300 e Watchmen. É discutível se foram boas adaptações ou não – os mesmos fãs de quadrinhos se dividem entre radicais de um lado e de outro, e me enquadro nos que preferem dizer que o trabalho foi bom e decente, se longe do perfeito e ideal -, mas não dá pra duvidar da sinceridade de Snyder.
Na perspectiva desses envolvidos, Super-Homem é um sujeito que consegue silêncio absoluto mesmo enquanto recita um catálogo telefônico. Ele volta à sua essência, à sua verdadeira origem, e aproveita para esquecer a péssima série televisiva Smallville e suas tristes liberdades. O herói imaginado tem um carisma que, supostamente, daria inveja ao músico Paul McCartney, ao religioso João Paulo II, ao ator George Clooney, ao político Lula ou ao líder ativista Martin Luther King. Sua voz e sua presença são do tipo que não permitem dúvidas e, ao mesmo tempo, como provado nesses 70 e tantos anos de existência, devem enternecer e conquistar, sem deixar transparecer uma autoridade que ele, afinal, não é. Super-Homem é um deus alienígena que tinha tudo para ser temido, mas é querido pelo público.
Fácil perceber, portanto, que, muito mais que a figura física perfeita a que os fãs (aparentemente em sua maioria e em diferentes línguas) se atêm nos comentários, é necessário um “Ator” com A maiúsculo que carregue esse filme criando um ícone, um modelo mental, não só um personagem. Pense em Christopher Reeve (ao lado), que nem era exatamente um grande ator, mas tinha aquela qualidade meio indistinguível que o deixou na cabeça das pessoas como “o” Super-Homem. Não é verdade que, quando se pensava em um, lembrava-se do outro e vice-versa? É essa a carga do personagem, que só pode ser suportada pela força de um ator que já tenha subido alguns degraus.
Então, antes de pensar nas características físicas de gente muito fraquinha como Brandon Routh (foto) ou Tom Welling (perdão aos “defensores” sem procuração, mas ambos são estátuas incapazes de atuar), ou sair distribuindo arriscadas chances a DJ Cotrona, Henry Cavill ou Joe Manganiello em uma produção de altíssimo orçamento e que se pretende séria e respeitável, devemos começar por provar a qualidade do ator. Caramba, existem fãs que sugerem lutadores da WWE, aquelas lutas-livres fajutas da TV americana. Precisamos de mais bom senso do que isso, não?
Sim, precisamos pensar no que Reeve significou. E nunca deixar de ter em mente um pessoal como Johnny Depp, Clint Eastwood, Edward Norton, Gregory Peck ou mesmo Wagner Moura, atores “homens” que sabem (e souberam) ser o centro de um filme grande e que, pelo menos em teoria, tenham de verdade a capacidade de encarnar características como aquelas além de qualquer engano. Há de ser alguém com tal nível de qualidade, mesmo que seja, paradoxalmente, um novato (promissor, com uma brilhante carreira após o personagem). Ou, visto de outra forma, é alguém que faça o que Christian Bale fez pelo Batman, e ainda mais, dadas as diferenças entre os personagens – Batman é medo, Super-Homem é confiança. E só aí, então, podem fechar o círculo em torno do visual perfeito. Sim, colegas fãs, concordo que nós não vamos abrir mão daquela cara e daquele uniforme, mas só depois que acharem um o tal “Ator”.
Enquanto este é apenas um comentário, o processo real é de uma dificuldade que nem vou me incomodar em imaginar. Felizmente, ele está nas mãos de gente cujos currículos impressionam, e assim suspeitamos que eles provavelmente venham a usar os critérios corretos. Ainda não se decidiram, e eu não imagino, hoje, quem seria perfeito. Mas também quem disse que fãs de quadrinhos sabem fazer escolhas assim?
É engraçado pensar que mais do que um personagem de quadrinhos, Superman, hoje, é um ícone que se relaciona com épocas passadas e um certo moralismo atemporal e, por outro lado, liga-se a diversas referências mitológicas e religiosas, além de ser uma espécie de âncora entre o que é um super-herói e um anti-herói. Quando se pensa que não é mais possível escrever histórias e propor desafios ao Homem de Aço, vêm roteiristas da estirpe de Alan Moore, Grant Morrison, Mark Waid entre outros e mostram que o maior obstáculo que se impõe ao personagem é a de manter sua humanidade, seja ele um kryptoniano criado na Terra, seja ele uma pessoa que aprendeu a valorizar a vida, não importa em que tamanho ou forma. A transposição para às telas perde por não colocar este questionamento – mesmo que esteja subentendido – na conduta de Clark Kent/Kal-El e em como ele reage no sentido de proteger os que estão próximos e a população mundial. Focar-se no visual e nas pirotecnias não é a saída para o sucesso. respeitar o mito e o personagem, inserindo-o em um contexto atual, sim.
Espero que o filme aborde questionamentos dessa natureza, Luiz. De fato, seria bem mais rico que só efeitos.
Abraço!