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Que triste, Sérgio Cabral

Relutei um pouco em escrever o que segue, mas os dedos são nervosos e a cabeça não sossega

Desonra, humilhação, que triste fim

Não se chuta cachorro morto nem tripudia-se de derrotado. Isso não é frase feita e tampouco filosofia de botequim. É o certo, é o justo. Daí minha preocupação em escrever o que segue. Não quero parecer, e muito menos me sentir cruel.

Toda noite, antes de me deitar, cumpro uma espécie de ritual. Passo no quarto da minha mãe, vejo se está tudo em ordem e encosto sua porta. Logo em frente fica o quarto da minha filha, de dez anos. Entro, deito ao seu lado por alguns minutos, faço-lhe carinhos, dou-lhe um beijo e sigo para o meu próprio quarto. Aliás, outro dia assisti a um filme onde a personagem — aquela “diliça” da Scarlett Johansson — dizia à mãe que conseguia se lembrar das sensações da infância. Dizia que se lembrava dos beijos nas bochechas e dos abraços apertados que recebia dos pais, e lhe descrevia o imenso prazer daqueles momentos. Apesar de ser um filme muito doido, sobre uma droga poderosíssima, tal cena é extremamente emocionante.

Agora imaginem vocês, meus caros, se pudéssemos mesmo lembrar disto? A sensação de beijar um filho, enquanto ele dorme, já nos faz querer congelar aquele momento para sempre; nos faz desejar que o mundo pare e que tudo permaneça intocável. Agora inverta o ponto de vista e tente imaginar a sensação do filho ao ser beijado, abraçado, acariciado e cuidade. Deve ser um sentimento tão poderoso de segurança e regozijo, que é aí que entra, para mim, a existência de Deus. Quando minha filha me pergunta o que é, como é ou se existe Deus, eu sempre lhe explico que: Deus é como o nosso amor, um pelo outro. A gente não vê, não toca, não pode provar que é real. Mas a gente sabe que existe, pois a gente sente.

Quanto mais esse Blog cresce — e como cresce!! — mais responsabilidade eu assumo. Perante vocês leitores e perante meu espelho, que sempre me encontra antes de eu ir dormir. Gosto da sensação de me ver e de saber que sou um homem bom. Um bom filho, um bom pai, um bom marido, um bom amigo. Pois bem.

Fim da digressão. Adiante com o tema…

Ao ver a foto acima de Sérgio Cabral, tirada no presídio Bangu 8, imediatamente pensei no seu filho. Pensei nos seus pais, que não sei se são vivos (na esposa não, por motivos mais do que óbvios. Ao que parece, logo logo lhe fará companhia numa ala qualquer de Bangu). Pensei na dor que devem sentir ao realizar a dura constatação que seu ente tão querido, tão próximo, tão amado e tão admirado, até então, nada mais é que um reles bandido qualquer, um ladrão, um presidiário de merda, tal qual um Fernandinho Beira-mar da vida. Confesso que me senti mal por eles.

Sérgio Cabral, assim como Garotinho ou Marcelo Odebrecht, como Palocci ou Lula, como tantos e tantos outros párias da sociedade brasileira não podem olhar-se no espelho. Ao menos como eu me olho. Essa gente não pode orgulhar-se da própria história. Seus descendentes não poderão orgulhar-se dos pais e avós. Não poderão carregar os sobrenomes triunfantes. Não terão boas histórias nem boas memórias para contar aos filhos, na cama, antes de eles dormirem.

Terão vergonha dos vizinhos, do português da padaria, do Zé do açougue. Serão eternamente filhos e netos “daqueles políticos safados que roubaram o Brasil”. Passarão anos enfrentando a dificuldade e o constrangimento de visitar os parentes ladrões nos presídios. Aniversários, datas importantes, comemorações, tudo sempre trará a lembrança daqueles que não estarão presentes. Não por morte, mas pelo cárcere da infâmia.

Que triste. Que vergonha, meu Deus. Quanta desonra. Que futuro nefasto aguarda toda esta gente. Enfim…

Agora chega. Vou cumprir meu abençoado ritual. Vou me encontrar feliz — muito feliz! — com o meu espelho.

Leia também!

Ricardo Kertzman

View Comments

  • Parabéns Ricardo!
    Outro texto nota 10! Um melhor que o outro!
    Você além de ser um bom filho, um bom pai, um bom marido, um bom amigo, é um excelente formador de opinião.

  • Não acredito que a prole desses párias, excrementos da sociedade, pensem nos país como ladrões, assassinos, vagabundos, penso que partilhem da teoria de tirar vantagem em tudo, pelo menos a maior parte deles, usufruem do roubo e se acham no direito de expropriar a nação. São donos do mundo e nós seus vassalos. A fruta não cai muito longe da árvore , raras exceções.

    • Concordo, continuam usufruindo, tenho certeza, assim como têm a certeza de que a qualquer momento tudo volta ao que era: pai soltó, usufruindo ainda mais, pois nenhum da "turma" devolve tudo que roubou.

  • Em tempo, Ricardo, o pai de Sérgio Cabral (ex-governador e atual carcerário) é o célebre jornalista Sérgio Cabral, que apôs seu nome ao memorável grupo de colegas de O PASQUIM, na Década de setenta, tendo colaborado para a extinção do governo militar, através de honrosa militância intelectual. Também vivo a me perguntar como se sentiu o grande jornalista, ao acompanhar a "carreira" maldita de seu sucessor. Mas, são os desígnios do destino e faço coro ao Nilson, lá em cima: colhe-se o que se planta. E a nave vai!

    • O pai também foi político, além de crítico musical (vereador por três legislaturas). Em 2013, disse no Programa do Jô que seu filho é o "maior governador que o Brasil já teve" - http://www.verdadegospel.com/o-maior-governador-que-o-brasil-ja-teve-diz-pai-de-sergio-cabral/
      Sérgio Cabral, Chico Buarque, Juca Kfouri, Frei Betto, Leonardo Boff, Luiz Fernando Veríssimo... durante décadas, entregamos a eles e outros nossa sede por ética. Se explica por que estamos como estamos hoje.
      Como dizia Fernando Brant (esse sim, um artista coerente):
      "O medo de amar é não arriscar
      Esperando que façam por nós
      O que é nosso dever - recusar o poder"
      Não podemos recusar o poder.

    • Sérgio Cabral (o pai) está com Alzheimer, doença que o poupou da humilhação de presenciar a degradação do filho

  • Penso com você, Ricardo. Estivesse eu no lugar deles, com certeza não teria coragem de olhar nos olhos de meus quatro filhos de minha esposa.

  • Ricardo, excelente texto. Discordo somente no ponto em que terão vergonha dos vizinhos, do Zé do açougue, etc. Daqui a pouco estarão soltos, com a mesma cara de pau que roubaram dos milhares de brasileiros que " estão pagando a conta da corrupção ", sofrendo com a saúde, segurança e educação, pra não dizer de outros péssimos serviços prestados pelos governos. Mas com certeza já é um excelente início de um novo Brasil.

  • Isso também me toca e muito . De repente a figura do pai querido , do filho amado e próspero , a fortaleza...É muito triste.

  • Salvador-Bahia, 20.11.2016-Domingo.

    Para o Ricardo Kertzman & Amigos:

    Muitos americanos milionários, ao perderem toda a fortuna, NO CRACK DA BOLSA DE NEW YORK, EM 1929, PELA HUMILHAÇÃO SOFRIDA, SUICIDARAM-SE !

    No Japão, A TRADIÇÃO E O COSTUME, É A PRÁTICA DO HARAQUIRI MAIS ESPECIFICAMENTE, O SEPPUKU QUE CONSISTE EM CORTAR O VENTRE, PROFUNDAMENTE, COM UMA LÂMINA AFIADA, UM PUNHAL, RAZOAVELMENTE, GRANDE PROPICIANDO QUE AS VÍSCERAS FOSSEM EXPOSTAS !

    No Brazil, temos o EXEMPLO DO GETÚLIO DORNELES VARGAS O QUAL, EM 1954, SUICIDOU-SE, DANDO UM TIRO CERTEIRO NO CORAÇÃO !

    ESTES EXEMPLOS SÃO DE PESSOAS QUE POSSUEM NOÇÃO DO SIG- NIFICADO DE VERGONHA NA CARA, DIGNIDADE, ESCRÚPULO E, ETC . . .O QUE, ATUALMENTE, PRINCIPALMENTE, NO BRAZIL, ESTÁ EM FALTA, FORMANDO UMA GRANDE LACUNA NA NOSSA SOFRIDA E DIGNA SOCIEDADE !

    Na China, JÁ TERIAM SIDO FUZILADOS, COM OS GASTOS DA OPERAÇÃO, BANCADOS PELA PRÓPRIA FAMÍLIA !

    Quando será que O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAIS, JUNTAMENTE COM AS POLÍCIAS FEDERAL E ESTADUAL, VÃO INICIAR AS INVESTIGAÇÕES SOBRE AS FORTUNAS DE DINHEIRO PÚBLICO ROUBADOS E DESVIADOS, POR POLÍTICOS ANTERIORES À LAVA JATO, MUITOS DOS QUAIS JÁ MORTOS ?

    No Brazil, O CRIME SEMPRE COMPENSOU MAS, ATÉ QUANDO ?

    Grato pela atenção.
    Jairo Pinto de Carvalho

  • Como já dizia minha mãe: quem não deve não teme. Mas, para refletirmos: são apenas esses passando tais sentimentos e sensações? Quantas outras famílias também sentem a mesma dor imbuída em vergonha e desprezo? A resposta é: inumeras. Basta que olhemos um pouco a cima ou a baixo de nosso "pequenino umbigo". Interessante é só agora nos acharmos representados por esses dois indivíduos (perceba-se o alvorosso nas mídias), ante a imensidão de casos em nossa sociedade que não são divulgados.

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