Hora de definir prioridades

Ricardo Galuppo

Uma preocupação que eu já havia percebido em vários atleticanos insuspeitos ficou clara para mim no sábado passado. Depois de mais de um ano sem conversar com ele, passei quase uma hora ao telefone com meu amigo Rodrigo Elias. Diguinho, como é conhecido pelos amigos, tem uma sensibilidade aguçada para perceber os humores do time. Ele dizia que, se o Galo não vencesse a partida do domingo, contra o Sport de Recife, o treinador Cuca poderia começar a deixar o Brasileirão em segundo plano e passar a priorizar as outras competições que o Galo disputa este ano. 

Dessa vez, não concordei com meu amigo. Por mais Lelé de si mesmo que o Cuca às vezes pareça, ele sabe o valor que o Brasileirão tem para a massa – taça que ele só não levantou em 2012 porque a conspiração da cartolagem em favor do CBFlu foi mais escancarada do que o habitual. 

A diretoria também sabe que, dos três títulos que ainda estão em disputa, esse é o mais importante. E, pelo que se vê, mobilizou recursos humanos suficientes para isso e pôs à disposição do treinador jogadores em condições de disputar não uma nem duas, mas todas as competições que o Galo tem pela frente. Portanto, não vamos falar em prioridades: os três são importantes. 

PONTOS DECISIVOS

Há, além disso, um aspecto que pouca gente tem levado em conta quando fala dessa zorra que é o calendário do futebol brasileiro. Depois da partida da próxima quinta-feira conta o Clube do Remo, e desde que não haja algum acidente grave de percurso que nos tire da competição (esconjuro! pé de pato, mangalô três vezes!), o Galo só volta a campo pela Copa do Brasil no dia 28 ou no 29 de julho. Ou seja, daqui a um quase dois meses. E, até la’, o que não falta para disputar são partidas pelo Brasileirão.

Contando a partida contra o São Paulo, no próximo domingo, o Galo tem oito jogos importantes pelo Brasileirão antes da viagem a Buenos Aires para enfrentar o Boca Júniors pela Libertadores, em 13 de julho. Ou seja: são 24 pontos em disputa — doze deles disputados fora de casa. 

A título de curiosidade, a distância aérea somada, ida e volta, entre Belo Horizonte e Porto Alegre (onde o Galo enfrenta o Internacional); Fortaleza (onde o adversário é o Ceará; São Paulo (onde visitará o Santos) e Cuiabá (para a partida contra o time de mesmo nome) é superior a 10 mil quilômetros. Independente disso, e naquilo que diz respeito a datas e calendários, o problema não é a quantidade de competições, mas as ausências provocadas por convocações.

“CONSISTÊNCIA DEFENSIVA”

Se o time, com os desfalques provocados pelas convocações de atletas para as seleções, dará conta do recado, é uma outra questão. Até aqui, aparentemente, vai tudo bem. Os dois resultados mais recentes pareceram muito acanhados diante da superioridade atleticana. Foram, por assim dizer, vitórias fáceis com placares apertados. “Fora o resultado, o jogo foi muito bom”, resumiu minha prima Marina Galuppo — que sabe tudo de futebol, muito embora às vezes se deixe levar pelas más influências e se renda aos exageros da cornetagem… Mas que ela entende, entende. 

Talvez até fosse possível incluir nesse raciocínio a primeira rodada do Brasileirão, contra o Fortaleza, caso o bom técnico do time, o argentino Juan Pablo Vojvoda não tivesse armado um esquema capaz de explorar a falta de ritmo e de interesse que o Galo demonstrou no segundo tempo. Já naquela partida, tive a impressão de que o time estaria dosando energia — economizado agora para gastá-la nos momentos decisivos. 

Não tenho qualquer informação interna que confirme esse ponto de vista. Ela é fruto única de minha observação e talvez esteja contaminada pelo mesmo otimismo que observo em alguns atleticanos com quem converso. Mas a verdade é que o time anda demonstrando em campo uma segurança que não vi nem nos melhores momentos da passagem anterior de Cuca pelo Galo (nos piores momentos, então, Deus me livre!). 

As falhas crônicas no sistema defensivo, que aconteceram sob todos os treinadores que a equipe teve de lá para cá, parece que vem merecendo um cuidado especial. No jogo de domingo passado, nas palavras do próprio treinador, o Galo teve “consistência defensiva, mas jogando para a frente”. Para torcedores calejados, como nós, habituados a ver nas uma retaguarda exposta a todo instante, a postura da defesa nas duas últimas partidas parece apontar pra uma outra realidade.  

Se o time estiver atento e souber evitar, daqui para frente, apagões desnecessários como os que foram vistos contra o Fortaleza, ótimo. Porque, lá na frente, sempre haverá um passe de Nacho para um gol de Hulk, um passe de Hulk para um gol de Nacho, uma bola enfiada por Zaracho ou um lance surpreendente de Keno ou de Marrony — que precisa de uma vez por todas perder essa mania de desperdiçar gols feitos.  

MÃO AMIGA

Não quero me deixar contaminar por um otimismo sem sentido — ainda mais depois da ducha de água fria que caiu sobre a massa no final da temporada passada. Mas é inevitável entrar na onda. Ainda mais neste momento em que se percebe que o treinador tem tomado decisões sensatas, os jogadores querem mostrar serviço, a diretoria tem dado o suporte possível e a torcida começa a baixar o tom de algumas críticas apressadas, feitas fora de hora. Até a dispensa de Hulk teve gente que andou pedindo… pode uma coisa dessas?

O certo é que, assim, o Atlético vai seguindo em frente e pavimentando um caminho que, se não sofrer desvios súbitos, pode nos levar a lugares bem elevados este ano. Em entrevista à Rádio Itatiaia na quinta-feira passada, o diretor de futebol Rodrigo Caetano explicou por que o Galo não pediu o adiamento de seus jogos enquanto tiver tantos desfalques por jogadores que estão servindo suas seleções. 

Como se sabe, o Flamengaço Classificadaço, que os rapazes simpáticos e as moças sempre atentas que que comentam futebol nos programas da TV por assinatura dizem ter o “melhor elenco do Brasil”, pediu penico. O Galo, não. Nada estranho até aí: sempre que alguma crise ameaça brotar no elenco do time carioca, como vinha acontecendo nas últimas partidas, a CBF providencia um tempo para que ele possa mexer daqui, mexer de lá, se entender com algum amigo influente que andava contrariado e recuperar a competitividade abalada. 

Foi assim no campeonato de 2012, lembra? O Galo, naquele ano, vinha bem na competição, e o time, conforme recorda o amigo Eduardo de Ávila, estava “voando baixo”. Poucos dias antes de enfrentar o Flamengaço Classificadaço, o diretor de competições CBF, Virgílio Elísio da Costa Netto, cancelou a partida, alegando não haver no estado do Rio de Janeiro gramados em condições de receber a partida. (Os jogos foram retomados na rodada seguinte — em mais um dessas decisões misteriosas tomadas sem que procure escondê-la).

Quando a partida foi finalmente realizada, o time carioca já estava reforçado por jogadores que não faziam parte do elenco quando houve o adiamento. Além disso, contou com a mão amiga de Jaílson Freitas. O árbitro baiano fez o que pôde para tirar os três pontos do Galo — uma ajuda considerável para o sucesso do CBFlu naquele ano.

TÔ NEM AÍ!

O atual recesso camarada cancelou, inicialmente, as partidas do Mais Queridinho contra o Grêmio e o Paranaense, pelo Brasileirão, e contra o Coritiba pela Copa do Brasil. Se for necessário, não tenha dúvidas: outros cancelamentos virão. O problema é que a facilidade com que a entidade se rende às lamúrias do Flamengaço Classificadaço pode custar caro para ele num ano de calendário apertado como esse. Como disse Rodrigo Caetano os jogos adiados agora terão que ser pagos em algum momento. E, quando todo mundo está de olho, nem toda a boa vontade da CBF e da emissora parceira serão suficientes para ajeitar as coisas em benefício do Mais Queridinho. 

Deixa essa gente para lá. A entidade já tem problemas de sobra para resolver e cada dia que passa expõe um pouco da podridão que toma conta de suas entranhas. A mais recente envolve o pascácio Rogério Caboclo, presidente daquilo lá, e, também, conselheiro do São Paulo Futebol Clube. A situação ali está complicada e a bagunça, veja só, puxou a inoportuna Copa América deste ano para o meio da briga política interminável que vem tomando conta do país.

A discussão em torno do assunto é uma das mais chatas que já movimentaram o mundo do futebol dos últimos anos e, de uma hora para outra, os argumentos esportivos contra ou a favor da realização do evento começaram a ser estimulados por razões políticas e quando isso aconteceu, como diria o saudoso Sérgio Porto, o bode que deu, vou te contar! Tite, o treinador da Seleção Brasileira, percebeu que estavam armando para ele e que tinha gente que queria porque queria ver o lépido Renato Gaúcho em seu lugar. 

Não tenho respeito e muito menos admiração por Tite, um dos principais responsáveis pelo rebaixamento do Atlético em 2005. Mas sou obrigado a concordar com um detalhe: por trás do palavreado que fazem dele o Rolando Lero do futebol, existe um cara esperto, que tem a habilidade de saber agradar as pessoas certas para se manter no topo. E, ao abrir a boca, conseguiu exatamente o que queria: se segurar no cargo com o apoio daqueles que se opõem à realização do torneio por razões meramente políticas. 

Meu interesse pelas opiniões políticas de Tite ou do jogador Casemiro, que andaram se posicionando sobre o assunto, é exatamente o mesmo que tenho pelas análises de futebol feitas pelo presidente Jair Bolsonaro ou pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: absolutamente nenhum. Mas, por razões esportivas e movido pelo mais profundo egoísmo, gostaria que o torneio fosse cancelado. Por mais numeroso que seja o elenco e por maior que seja a qualidade dos jogadores, acho que, num ano importante como esse, quando mais craques, melhor. Por essa razão, quero ver logo Júnior Alonso, Alan Franco, Savarino e Vargas de volta. Só por isso. Porque para tudo o que diz respeito a Tite, a Renato Gaúcho ou à Seleção, com todo respeito, não estou nem aí.