por Marcelo Seabra
Adaptar Aladdin em live action pode ser uma boa ideia no papel, independente do resultado. Afinal, é só misturar atores e efeitos especiais e voilá! Dumbo já não funcionaria tão bem, já que o protagonista é um elefante voador e expressivo. O estúdio teria que colocar suas fichas em uma criatura de CGI, independente do elenco fantástico contratado. Seguindo essa lógica, fazer um novo O Rei Leão (The Lion King), dentro dessa tendência, seria totalmente descabido. Foi exatamente o que a Disney fez.
O longa de 1994 parece estar no coração de muita gente, tamanho o debate que o anúncio dessa refilmagem gerou. Já dava para saber que haveria quem defendesse o projeto por pura nostalgia, assim como outros seriam detratores por amarem o desenho e julgarem que nunca seria possível se aproximar. O original chegou sem uma sombra, estabeleceu seu terreno do zero, ganhou prêmios e faturou alto nas bilheterias, gerando até sequências. Com tantas releituras Disney enfileiradas, um novo Rei Leão era aposta certa. Mesmo que não faça nenhum sentido chamar isso de live action – é, no máximo, um desenho com uma nova roupagem.
A história, uma das mais shakespearianas do estúdio, é bastante conhecida: o invejoso irmão do rei o mata e faz o jovem príncipe se sentir culpado e fugir. Mas não se pode fugir de seu destino, e Simba aprende, como um Homem-Aranha peludo, que grandes poderes trazem grandes responsabilidades. Isso, apesar dos recém-adquiridos conselheiros flâneurs, que pregam o lema Hakuna Matata, algo como “esqueça seus problemas”. O berço de ouro do leãozinho fica para trás e ele aprende a se virar na floresta interagindo com outros animais. Apesar de tratar de outros temas, não deixa de ter similaridades com Mogli, o Menino Lobo, que curiosamente ganhou um longa em 2016 dirigido pelo mesmo Jon Favreau.
Em evidência desde que comandou os dois primeiros longas do Homem de Ferro (além de viver o segurança e braço direito Happy Hogan), Favreau agora transita por dois dos maiores filões de Hollywood: o de filmes de super-heróis (mais especificamente da Marvel) e dessas novas versões Disney. Apesar de ele ter reunido um elenco notável, é praticamente impossível esquecer a voz, por exemplo, de Jeremy Irons como Scar, o vilão para quem quase torcemos. Com Mufasa, a dificuldade da tarefa era tão óbvia que tiveram que trazer James Earl Jones novamente, certamente uma das vozes mais marcantes do Cinema.
Na nova encarnação principal, como Simba, temos Donald Glover. De talento reconhecido como ator, roteirista, produtor e diretor (conhece Atlanta?), Glover ainda é um cantor premiado (Childish Gambino), o que ajuda na tarefa de estrelar um musical. Para cantar ao seu lado, como a Nala adulta, trouxeram Beyoncé (de Cadillac Records, 2008), fechando um casal tecnicamente impecável. Mas, mais uma vez, o fantasma de 1994 vem assombrar. A trilha sonora também é assinada por Hans Zimmer, que ganhou seu único Oscar em 94. E as músicas, quando não simplesmente reaproveitam as belíssimas composições de Elton John e Tim Rice, não chegam aos pés delas.
Entre os outros nomes mais relevantes, temos o ótimo Chiwetel Ejiofor (de Maria Madalena, 2018) dando vida a Scar, além do apresentador John Oliver (Zazu), Alfre Woodard (de Luke Cage), Keegan-Michael Key e Billy Eichner (ambos de Friends From College) e Seth Rogen (de A Entrevista, 2014 – ao lado), cujo trabalho como Pumbaa ganha mais destaque pelo tino cômico e pela voz inconfundível. Apesar de todo esse esforço, a proposta de tornar os animais o mais reais possível os deixa sem emoções. A falta de cor nos cenários os faz literalmente uma natureza morta que, junto à falta de expressão dos personagens, aproxima o resultado de um documentário do Animal Planet.
Na comparação com o longa de 94, o novo Rei Leão perde de lavada. Se analisado à parte, como obra independente, deve satisfazer. Era possível perceber no público saindo da sala do Multiplex a sensação de dinheiro bem gasto. Principalmente, entre os mais jovens, que estão sendo apresentados a este universo. Para os mais velhos, ficam muitos buracos. Mais do que Irons, Elton ou Matthew Broderick, as maiores faltas são as da espontaneidade e da emoção.