por Marcelo Seabra
Quase uma década de investigações e esforços empregados na captura do homem tido como “o mais procurado do mundo” resultou em um longa de 150 minutos que certamente é um dos melhores do ano. A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty, 2012) é o novo trabalho de Kathryn Bigelow, diretora do premiado Guerra ao Terror (The Hurt Locker, 2008). Ela conta novamente com roteiro de Mark Boal e ambos repetem a parceria na produção, e mais uma vez foram indicados a diversos prêmios.
Quando o projeto começou a ser desenvolvido, Osama bin Laden (ao lado) ainda era procurado, e tudo teve que ser repensado quando ele foi pego. Boal teve que colocar de lado dois anos de trabalho, o roteiro sobre a busca, e não descarta a possibilidade de filmá-lo também. Como um bom jornalista investigativo, ele recolheu todas as informações às quais teve acesso, chegando a levantar suspeitas entre políticos republicanos de que ele teria lido documentos confidenciais. Tudo isso foi colocado no papel, sem uma preocupação em ser muito detalhado ou explicar demais, o que seria muito cansativo. Pelas relações entre os personagens, percebe-se quem é um mero agente e quem é autoridade. Na segunda ou terceira aparição, já se tem mais informações, ou ao menos as que importam.
Tecnicamente perfeito, A Hora Mais Escura tem a árdua tarefa de levar um pouco de luz a eventos reais cujo fim todos conhecemos. O resultado de tanta paixão é um filme sobre obsessão, a exemplo de Zodíaco (Zodiac, 2007), mostrando a verdadeira espionagem, sem o glamour de um James Bond ou a pancadaria de um Jason Bourne. São apenas funcionários, que prestam contas a burocratas atrás de mesas, e que, após algum tempo em uma missão, começam a se dedicar como se suas vidas dependessem disso. No caso da caça a bin Laden, as vidas de muitas pessoas poderiam depender, já que as células controladas por ele causariam muitas mortes e destruição. Como a história é longa, saltos temporais são necessários, dividindo a obra em capítulos. Apesar do estilo documental, o longa é um filme de ficção e não pode ser levado ao pé da letra. Muitos personagens devem ter sido criados com características de pessoas reais, mas misturando aqui e ali, até para simplificar um pouco o que foi feito nestes muitos anos retratados.
Jessica Chastain (de Os Infratores, 2012) fica com o papel principal, a agente que, em 2003, passa a acompanhar o colega (vivido por Jason Clarke, também de Os Infratores) que interroga os prisioneiros ligados aos terroristas islâmicos. Como há muita tortura envolvida, ela parece constrangida, ou com medo, mas logo entra no esquema e fica cada vez mais obcecada pelo caso. Ela não tem vida pessoal alguma, fazendo um contraponto interessante aos terroristas, tão devotados quanto ela, sendo dois lados da mesma moeda. Maya entra em uma cruzada, movimentando todos à sua volta e cobrando posturas de seus superiores, o que faz o caso andar e chegar à resolução que tomou a mídia em maio de 2011 (cujo horário o título original faz referência). O elenco ainda é reforçado por Kyle Chandler, Mark Strong, James Gandolfini, Jennifer Ehle, Joel Edgerton e Chris Pratt.
Tortura é um assunto extremamente polêmico, ainda mais por se tratar de uma situação tão recente. Muitos criticaram a posição do filme, dizendo que se trata de uma apologia a métodos que são oficialmente negados, mas comprovados por evidências. O principal problema não seria nem admitir o uso de tortura, mas mostrar que informações imprescindíveis foram conseguidas dessa forma, e não por interrogatórios dentro do padrão. Fora das telas, a tortura empregada pela CIA em prisioneiros teria sido repetida à exaustão e se mostrado pouco eficaz, deixando o sucesso para as técnicas tradicionais. Quem assiste ao filme pode ser levado a uma interpretação errada, de que tortura funciona – ou teria funcionado, nesse caso específico – e é válida, com os fins justificando os meios. Não é bem o que se vê, mas as conclusões vão depender do público.