Para marcar a estreia do aguardado O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, O Pipoqueiro ataca logo com duas críticas sobre o longa. Em alguns momentos, elas apontam pontos similares, mas são em seu cerne bem diferentes. Confira as duas abaixo.
O Hobbit ganha adaptação fiel e divertida
- por Rodrigo “Piolho” Monteiro
O Hobbit: Uma Jornada Inesperada é o primeiro filme da nova trilogia do diretor/roteirista Peter Jackson (O Senhor dos Anéis, King Kong) a revisitar a obra do escritor sul-africano J. R. R. Tolkien. Desde que fora anunciada, a adaptação causou uma dose quase equivalente de frisson e apreensão entre os fãs do livro. Inicialmente, o projeto seria um filme único, produzido por Jackson e dirigido por Guilhermo Del Toro (“Hellboy”). Devido a uma série de problemas, Del Toro acabou abandonando a empreitada e Jackson não só resolveu acumular as funções de roteirista, produtor e diretor como também chegou à conclusão de que, assim como “O Senhor dos Anéis”, “O Hobbit” deveria ser uma trilogia.
Nesse ponto, veio a apreensão dos fãs do material original, já que O Hobbit é um livro curto – menos de 300 páginas – e com uma escrita muito menos elaborada do que qualquer uma das partes de O Senhor dos Anéis, de forma que caberia tranquilamente em apenas um longa-metragem. Mesmo após Jackson ter anunciado que usaria materiais extras, especialmente os encontrados nos apêndices de O Senhor dos Anéis, para contar sua história, a desconfiança permaneceu. Assim sendo, é bom que fique claro que O Hobbit é uma adaptação muito mais livre em relação ao material original do que Jackson fez com a trilogia do anel. A essência do livro, claro, está lá, mas a história foi bastante esticada para que preenchesse os 166 minutos da película. Algo que também será feito nos filmes seguintes, com toda a certeza.
A primeira parte da nova trilogia de Jackson começa no dia do 111º aniversário de Bilbo Baggins (Ian Holm), poucas horas antes da festa de comemoração da ocasião, evento que também marca o começo de A Sociedade do Anel, primeiro filme da trilogia de O Senhor dos Anéis. Os eventos mostrados aqui, no entanto, são anteriores aos mostrados em A Sociedade. Aqui, vemos o momento em que Bilbo decide começar a escrever a história de como embarcou na maior aventura de sua vida, um conto que deixará para seu sobrinho Frodo (Elijah Wood, em uma ponta). O conto – e o filme – começa 60 anos antes, quando o então jovem Bilbo (Martin Freeman, da série Sherlock – acima) é abordado por Gandalf, o Cinza (Ian McKellen) para que faça parte de uma comitiva de 13 anões liderada por Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage, de Capitão América) com o objetivo de recuperar Erebor, a montanha na qual sua raça de anões habitara por séculos e o tesouro nela contido, das garras do dragão Smaug.
Essa é, essencialmente, a história de O Hobbit. Para que seu filme durasse mais, Peter Jackson adicionou passagens retiradas de outras fontes, especialmente dos apêndices de O Senhor dos Anéis, como dito no primeiro parágrafo deste texto, para justificar a duração do filme que, apesar de longo, não é cansativo. Um desses enxertos é a trama paralela que mostra a rivalidade entre o orc Azog (Manu Bennett) e Thorin, sobre a qual não discorrerei para evitar possíveis spoilers (Azog aparece no Apêndice A de O Senhor dos Anéis).
A primeira parte da trilogia O Hobbit reflete o fato de o material original ser um livro infantil. Se em O Senhor dos Anéis há um único anão como alívio cômico, aqui temos 13 deles, todos muito bem caracterizados, a maioria piadista, mas pelo menos cinco deles com personalidades bem desenvolvidas. O filme usa e abusa de coincidências e algumas situações têm soluções que aqueles não familiarizados com o material de Tolkien podem achar incômodas ou mesmo completamente sem sentido, ainda que diversas delas – como a cavalaria chegando quando os heróis do filme mais precisam de ajuda – sejam apenas clichês cinematográficos.
No fim das contas, O Hobbit é, como seu subtítulo diz, uma jornada inesperada. Tecnicamente impecável – a versão resenhada é a convencional, de 24 frames por segundo e em duas dimensões –, ele fica abaixo das expectativas criadas graças ao trabalho de Peter Jackson em O Senhor dos Anéis. No entanto, não deixa de ser um filme divertido, que traz aos fãs de longa data um sentimento de “volta pra casa” já que, ainda que apresente um bom número de novos personagens, outros – como Saruman (Christopher Lee), Galadriel (Cate Blanchet), Elrond (Hugo Weaving), Gollum (Andy Serkis) – fazem aparições, assim como são revisitados locais como Moria e Valfenda. Há interessantes sequências de ação e algumas boas ideias que, esperamos, sejam bem desenvolvidas em suas duas continuações. Vale dizer que, ainda que seja uma adaptação bem livre da obra original, assim como em O Senhor dos Anéis, há diversas sequências que levam às telas de maneira quase literal o que se vê no livro de Tolkien, o que se torna um atrativo a mais para os fãs do escritor.
Peter Jackson cansa com o longo Hobbit
- por Marcelo Seabra
Mesmo para quem não era exatamente um fã de Tolkien, a trilogia Senhor dos Anéis no cinema foi um feito admirável. Por isso, o mundo aguardava ansioso o desenrolar do drama da adaptação de O Hobbit, livro de Tolkien que conta uma história pré saga dos anéis. A produção passou alguns perrengues e todos ficaram satisfeitos com a notícia de que Peter Jackson voltaria àquele universo, novamente na cadeira do diretor, e traria muitos de seus colaboradores habituais. Um bom elenco foi reunido, com vários rostos que já freqüentaram a Terra Média, e tudo seguia um ótimo caminho.
Com relação ao time reunido por Jackson, incluindo-se aí os atores, tudo funciona muito bem tecnicamente. O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (The Hobbit: An Unexpected Journey, 2012) chega aos cinemas essa semana inclusive com inovações tecnológicas, já que foi filmado a 48 fps (o dobro de frames que se usa em um filme) e ainda em 3D. Esse aspecto não poderá ser comentado aqui porque a sessão para a imprensa foi em 2D convencional, com os 24 fps de sempre. A trilha sonora é mais uma vez de Howard Shore, oscarizado pelo primeiro e pelo último episódios da trilogia anterior, e ele acerta nas composições, que trazem um espírito de aventura adequado. O diretor de fotografia Andrew Lesnie, também premiado pela Academia por A Sociedade do Anel (2001), volta à função e é responsável por cenas fantásticas, aproveitando ao máximo os lindos cenários criados pela turma da WETA. Alguns closes eram desnecessários, mas isso empalidece no todo.
Esta adaptação de O Hobbit tem dois grandes problemas. O primeiro é a fonte que o origina, o livro de Tolkien. Muitos fãs podem maldizer o trabalho dos roteiristas, grupo formado pelo consagrado trio Jackson, Phillipa Boyens e Fran Walsh, com a adição de Guillermo del Toro, que estava escalado como diretor no início do desenvolvimento. O Hobbit, o livro, é bem infantil e tem um tom bobo que incomoda. Se o alívio cômico da trilogia dos anéis era o anão da turma, imagina ter 13 deles como protagonistas? Estão sempre fazendo bagunça e rindo uns com os outros com piadinhas bestas, mas sendo heróicos quando necessário. Imagine o fardo quando eles começam a cantoria! O outro complicador é a necessidade de Jackson, que ninguém entendeu (além do óbvio: grana), de ter transformado um volume nem muito grande em três longas realmente longos. O primeiro dura nada menos que 169 minutos, o que exige bastante enrolação e cenas que se estendem muito além do necessário, além de costuras com subtramas de outras histórias que foram parar ali.
Outro fator irritante é a fartura de coincidências, ou se poderia dizer que o timing dos personagens é sempre ótimo. Todo mundo aparece no momento em que é necessário à trama, de gente a outras espécies que não tinham sido apresentadas – e nunca fica claro suas funções, além de magicamente resolver impasses e ajudar a turma a se aproximar do destino almejado. A palavra conveniência define o filme, já que do início ao fim muitas atitudes contrárias ao que era sinalizado não são justificadas. “Ele apenas mudou de ideia”, é o que se deve pensar, na falta de uma saída melhor.
Uma saída fácil é acrescentar personagens e seus intérpretes que haviam aparecido antes em O Senhor dos Anéis. Afinal, quem não gostaria de ver Andy Serkis novamente como Gollum, aquela criatura trágica que aprendemos a amar? Além de Serkis, Jackson conta com Ian McKellen (Gandalf – ao lado), Ian Holm (Bilbo mais velho), Elijah Wood (Frodo), Hugo Weaving (Elrond) e Cate Blanchet (Galadriel), além de ter criado a oportunidade de se desculpar com Christopher Lee, que teve seu Saruman praticamente cortado dos anteriores. Além desses velhos conhecidos, há vários novatos nesse universo, com destaque para Martin Freeman, que vive a versão mais jovem de Bilbo Baggins (ou Bolseiro), e Richard Armitage (de Capitão América, 2011), que ficou com o papel de líder dos anões. Ele repete a caminhada de Aragorn, já que é um rei sem reinado em busca de uma recolocação à frente de seu povo.
Ao final de quase três intermináveis horas de exibição, fica a sensação de que um filme apenas teria sido mais do que o suficiente para uma adaptação decente de O Hobbit, e poderia ser até mais curto. Cortaria-se alguns personagens e seus núcleos, chegaria-se logo aos finalmentes e não terminaria com aquela mesma sensação de incompletude que pairou ao final de A Sociedade do Anel. Só faltou aparecer o “Continua”, tão usado na TV. Vamos torcer para que Jackson repita seu feito e faça sempre filmes melhores do que seus antecessores, como foi com As Duas Torres (2002) e O Retorno do Rei (2003).
Bacana! Gostei do contraste entre os textos. Só não sei se vou gostar do contraste que aparentemente me espera no filme, que eu aguardava como fã de Tolkien e de O Senhor dos Anéis, mas já temendo o desmembramento em trilogia… rsrs.. ¬¬
Parece que estamos diante de um filme controverso, já que, das últimas críticas que li, sendo ou não feitas por pessoas que já conheciam a obra homônima nos livros ou tiveram um vislumbre nas telas de cinema dez anos trás, há uma constante que ressalta os efeitos especiais, as performances de Martin Freeman, Andy Serkis e Ian Mckellen, o retorno à Terra-Média e, em contrapartida, a duração do filme (e seus excessos na trama), as “conveniências” e a interprenetração de outras histórias aqui plasmadas na trama de Bilbo e os anões, fora a incapacidade do diretor e da equipe de roteiristas em comover o espectador com uma história sem um “final” apropriado. Admito que este filme apresenta problemas que poderiam ser resolvidos se algumas cenas fossem deixadas na sala de edição ou fossem realocadas em uma edição estendida, de que não há uma maneira de especificar quem são os anões por suas personalidades e de que as participações e as inserções além de O Hobbit inflam o filme e colocam muitas tramas que não se resolvem ao final da película (postergando-a para os próximos filmes). Por outro lado, é uma boa diversão e as cenas retiradas das páginas do livro já valem o ingresso e o retorno ao Condado. Se Peter Jackson estiver atento ao que se tem falado sobre este primeiro filme, esperamos que ele consiga contornar e resolver os principais problemas nos filmes seguintes. Até dezembro, então.