por Marcelo Seabra
Desde pequenos, na escola, as crianças apontavam a semelhança física entre Latif Yahia e Uday Saddam Hussein, o filho mais velho do futuro presidente/ditador do Iraque. Apesar de colegas de escola, os dois nunca foram grandes amigos, mas se encontrariam novamente anos depois. A fato da serem parecidos faz com que Latif seja procurado pela equipe de Uday, agora filho do homem mais poderoso do país, para ser seu dublê. Um belo emprego, este!
Em O Dublê do Diabo (The Devil’s Double, 2011), Dominic Cooper vive dois papéis: o psicótico playboy Uday e o militar Latif, que se vê obrigado a substituir o “príncipe negro” em eventos públicos, geralmente com risco de atentados. Latif, o verdadeiro, sobreviveu a nada menos que 12 tentativas de assassinato e conseguiu escrever o livro no qual o filme foi baseado. Por isso, percebemos que sua versão ficcional é a personificação do herói másculo e destemido que não titubeia em desafiar Uday. Ele só aceita a tarefa pelo medo de ter a família morta, e sob tortura.
Cooper, visto recentemente como o pai do Homem de Ferro em Capitão América (2011) e em Sete Dias com Marilyn (2011), faz um belo trabalho em sua jornada dupla. Como Uday, é estridente, tem uma risadinha irritante, é o centro das atenções, sempre tomando alguma atitude inesperada digna de um maníaco da pior espécie (e o filme parece ter atenuado as atrocidades da figura real). Como Latif, é mais compenetrado, sente nojo frente ao que vê, é um homem de família que sempre tem seus pais e irmãos consigo. A construção de ambos é detalhada, tanto física quanto psicologicamente. O ator, que vivia os dois personagens no mesmo dia, era obrigado a ir de um extremo a outro em pouco tempo e é o grande destaque do filme. É claro que devia ser mais divertido viver o louco Uday, mas Cooper nunca deixa de mostrar muita competência.
Como o diretor Lee Tamahori (de 007 – Um Novo Dia para Morrer, de 2002) e o roteirista Michael Thomas (do também biográfico Backbeat, de 1994) partem do relato do próprio Latif Yahia, é derrubada a possibilidade de a história ser fiel aos fatos. E eles ainda tiram e colocam de acordo com a necessidade, se afastando mais da realidade. O que, no caso de Uday Hussein, seria demais para lançar em filme. Obviamente, a obra não pode ser levada a sério como aula de história, apesar de representar bem determinados aspectos da vida no Iraque. Além de podermos entrar um pouco na casa de Saddam, outro sujeito digno de um estudo.
Apesar de viver escondido em algum lugar da Europa, temendo por sua vida mesmo anos depois dos Husseins terem partido, Yahia acompanhou as filmagens. Ele atuou como consultor e assistiu a O Dublê do Diabo ao lado de Cooper no Festival de Cinema de Berlim, uma experiência “comovente e perturbadora”, como descreveu. Para o resto do público, é tenso e interessante. Nem que seja para conhecer melhor o promissor Cooper, que já tem várias produções engatilhadas.