Roteiro ruim desperdiça bom elenco

por Marcelo Seabra

Andar por locadoras é sempre uma experiência interessante. Nestas buscas descompromissadas, pode-se descobrir muitas pérolas escondidas, aquelas que chegam direto em DVD e que você nem sabia que existiam. Ver um longa que, apesar de totalmente desconhecido, tem um grande elenco e uma boa premissa policial, dá um certo ânimo. Se tiver um certo Al Pacino como coadjuvante, é aluguel na certa. Pena que, nos últimos anos, Pacino não tenha sido garantia de filmes bons. E é exatamente o caso de Anti-Heróis (The Son of No One, 2011).

Em meio a tanto trabalho, é claro que dá para pescar coisa boa com Pacino. Ele ainda é capaz de momentos brilhantes, como em You Don’t Know Jack, feito para a televisão em 2010, Angels in America, série de 2003, ou O Mercador de Veneza (The Merchant of Venice, 2004). Em compensação, há muito constrangimento em bombas como O Articulador (2002), O Novato (2003), Contato de Risco (2003), 88 Minutos (2007) e a grande decepção As Duas Faces da Lei (2008), que marcou o reencontro do ator com o colega Robert De Niro 13 anos após o memorável Fogo Contra Fogo (Heat, 1995).

Anti-Heróis é mais um caso de título nacional infeliz. Bandidos e anti-heróis são figuras totalmente diferentes, e o título original, algo como “Filho de Ninguém”, chega a ser explicado ao longo da exibição. O coitado em questão é o policial Jonathan White (Channing Tatum, de G.I. Joe, 2009), que equilibra o bom trabalho na corporação e a vida familiar, com uma esposa não muito compreensiva (Katie Holmes, de Não Tenha Medo do Escuro, 2011) e uma filha que tem uma doença que em momento algum é decentemente explicada, e acaba não servindo à trama de forma alguma.

O policial White é assombrado por um fato do passado e o acontecido volta a bater na porta quando uma jornalista (a desperdiçada Juliette Binoche, de Cópia Fiel, 2010) começa a publicar cartas que recebe de autor anônimo. Cabe a White descobrir quem envia as cartas e, em meio a essa investigação, acertar as contas com a sua infância, quando era apenas Milk (ou “Leite”, por ser branco em meio a tantos meninos negros). Completam o elenco Ray Liotta (de Motoqueiros Selvagens, de 2007), no piloto automático como o superior de White, e Tracy Morgan (ao lado), comediante de programas como 30 Rock e Saturday Night Live que parece fora de lugar como o lesado amigo de White. E, claro, Al Pacino, que faz o chefe dos chefes na polícia.

Esse tal problema, que não ficará enterrado como deveria, começa a ser revisitado via flashbacks a 1986. Quanto mais descobrimos, pior o filme fica. Tudo é muito mal explicado, apressado, apresentando personagens vazios, criados para um propósito específico e, por isso, descartáveis. Sem falar que é tudo muito previsível e o final é algo sem explicação, de tão non sense.

O diretor Dito Montiel recebeu vários elogios por sua estreia, o autobiográfico Santos e Demônios (A Guide to Recognizing Your Saints, 2006), e seguiu com o insosso Veia de Lutador (Fighting, de 2009), figurinha fácil na TV a cabo. Sempre falando do universo de Nova York, onde nasceu e cresceu, ele pela terceira vez convocou Tatum para estrelar uma produção sua – o que é um mistério, já que o ator não atua (e aquele bigode não ajuda em nada) e até hoje não mostrou a que veio.

Pelo barulho causado anteriormente, Montiel tem facilidade de conseguir bons atores. Tendo escrito (baseado em seu livro) e dirigido Anti-Heróis, ele mostra que ainda precisa acertar o seu rumo, e a escolha da obra para o fechamento do último Festival de Sundance se mostrou um fiasco. É louvável a vontade de um artista de se renovar, de arriscar lidar com histórias diferentes. Mas, se não acertar novamente, Montiel vai acabar trabalhando com Steven Seagal no mercado direto para DVD.

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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2 respostas para Roteiro ruim desperdiça bom elenco

  1. Denis Silva disse:

    Olá Marcelo,

    Não sou propriamente um saudosista, mas que roteiros comos os de Mario Puzo, F. F. Coppola, além de Woody Allen fazem falta nos dias de hoje, é algo que evidente. Tanto é que todas as vezes que Woody lança um filme faz se alvoroço e comparações com os anteriores. O interessante no caso citado (relação de bom filme versus atores) é que não existe regra, existem filmes ruins que são salvos por boas atuações (ex:O Turista), e roteiro bom com atuações péssimas (ex: If Only). Para mim, isto é maioria, a exceção são boas atuações com bons roteiros, isso é sucesso, raro em nossos dias.Há um filme que vi recentemente numa mostra de cinema em São Paulo , creio eu ser ele franco-argelino, que se chama Dunia – Beije-me os olhos não a boca que também é um exemplo de bom roteiro com péssimas atuações.

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