Adolescência é o novo sucesso da Netflix

Em 2017, a Netflix focou o público jovem e causou polêmica com 13 Reasons Why, série que se tornou um fenômeno obrigatório a todo e qualquer ser humano que não vivesse em uma caverna sem luz – e, sobretudo, a quem escreve sobre Cinema e TV. Em 2025, o serviço de streaming conseguiu de novo, agora voltado para os adultos, especialmente aqueles com filhos: Adolescência (Adolescence) é o barulho do momento, do Reino Unido para o mundo.

O principal elemento da conversa que vem com Adolescência é o tema: bullying e o que o cerca. “O que os garotos fazem trancados no quarto o dia todo?” é a pergunta que Stephen Graham e Jack Thorne, criadores da atração, parecem fazer. Muitas entrevistas foram dadas por ambos nos últimos dias, nas quais eles deixam claro que não trazem respostas, até porque eles não as têm. No entanto, propõem questões a serem discutidas pela sociedade para que se possa chegar a algum lugar.

No início do primeiro episódio, a polícia faz um estardalhaço ao invadir uma casa comum num subúrbio inglês e levar preso um garoto de 13 anos. Pais impotentes assistem ao filho ser colocado no camburão imaginando o que poderia ter acontecido, até que tomam conhecimento da terrível verdade: Jamie é acusado de matar a facadas uma garota da escola. Os detetives aparecem para a investigação, vão à escola e conhecemos professores, alunos e demais funcionários. Todos os personagens sociais são envolvidos na trama, cada um com sua fatia de responsabilidade.

Dentro da escola, o que vemos é descrito por alguns como a visão mais realista possível do dia a dia dos adolescentes, com professores suando para conseguirem um pouco de ordem enquanto os alunos agem com total desrespeito e falta de educação. Pode ser um pouco exagerado, mas rapidamente tomamos conhecimento do tipo de conversa que se desenrola entre esses jovens, com códigos próprios a eles que quem está de fora não entende – e passa vergonha, na ótica deles.

Se, antigamente, fazer bullying (antes de ter esse nome) era chamar de gordo, girafa e afins, hoje eles cospem, humilham e até extorquem uns aos outros. Digitalmente, inclusive, já que todos parecem ter usuários em redes sociais, nem que seja apenas para saber o que está acontecendo. Saber o que o filho faz na internet se tornou tão importante quanto saber onde e com quem ele está quando sai.

E temos ainda a questão crescente do sexismo, estimulada por figuras públicas como o nojento Andrew Tate, muito famoso nos EUA e seguido por adolescentes, inclusive. Há ideias sendo difundidas, cada uma mais cretina que a outra, que só compram quem ganha algo com elas e quem ainda não tem experiência suficiente para rechaçá-las. Um exemplo é a tal regra dos 80-20: inventaram que apenas 20% dos homens seriam interessantes a ponto de atrair a atenção feminina, e os outros 80% ficariam a ver navios.

Daí surgem os incels, os celibatários involuntários, os coitadinhos que não ganham atenção de mulheres. Desculpas inventadas por adultos detestáveis e frustrados que vivem sozinhos no porão da casa da mãe e passam os dias (ou noites) criando ficções como “Michelle Obama é homem” ou “astros de Hollywood consomem sangue de crianças para não envelhecerem”. Garotos caem nesses contos e o número de casos de violência contra meninas entre 12 e 16 tem crescido (Studies in Conflict & Terrorism, 2020).

Fora o tema, outros dois tópicos têm sido discutidos: as tomadas em plano sequência, que mostram a ação em tempo real, sem cortes, o que demanda uma logística complicada dos realizadores; e a forma isolada como cada um dos quatro episódios exploram aspectos do crime sem precisarem necessariamente serem vistos em ordem. Além de professores e estudantes, a série apresenta os pais, uma psicóloga (Erin Doherty – acima) e o resto da sociedade que rodeia aquela família, com cada episódio se aprofundando em uns deles.

Quanto aos pais de Jamie (acima), é interessante ver que Graham, um dos criadores e roteiristas da atração, pega para si o papel de pai. Uma pergunta que parece surgir rapidamente quando um crime dessa natureza acontece é: “quem são os pais desse menino?”. Se, por um lado, foram omissos na rotina do filho, por outro eles podem ser vistos como pessoas absolutamente normais, trabalhadoras, que poderiam ser seus vizinhos. Ou você. Não orientaram ou acompanharam de perto o garoto e alegam que estavam muito ocupados, cuidando do sustento deles. Mais corriqueiro, impossível!

As mudanças de humor de Jaime que observamos ao longo dessas quatro horas mostram o quanto o novato Owen Cooper foi uma escolha acertada, e deve ter um futuro brilhante. As atuações são o grande diferencial de Adolescência. O tom de mistério alimentado ao longo da série, no entanto, incomoda. Se, por um lado, é natural que aconteça na cabeça dos envolvidos, para o público parece uma tentativa pueril de criar suspense e engajar. Fora esse incômodo, a obra atinge os pontos a que se propõe e deve ganhar várias estatuetas na próxima temporada de premiações.

Foto de bastidores divulgada pela Netflix

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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