por Alexandre Marini
Marcelo Seabra me convidou para escrever um pouco sobre minha percepção a respeito dos indicados ao Oscar de melhor filme. Ele sabe que não sou crítico de cinema — sou apenas casado com uma —, por isso falo do confortável lugar de espectador. Assisti a todos os dez, mas este texto é sobre aqueles que mais tenho recomendado aos amigos. E sem spoilers.
Zona de Interesse (The Zone of Interest)
O filme se inicia com uma tela totalmente escura e, por um tempo, o espectador só ouve sons que não consegue distinguir. Essa foi a forma interessante escolhida para apresentar um discreto personagem que permanecerá ao fundo durante todo o filme: o som da queima dos fornos de Auschwitz. Zona de Interesse aborda o quanto as pessoas podem se fechar em si mesmas a ponto de se importarem somente com suas posições ou interesses, ignorando todo o contexto restante. Sem mostrar nada — nem uma morte sequer —, o horror está lá, o tempo todo. É o retrato da banalidade do mal e um alerta, ao percebermos que as condições para que isso se repita não são muitas e, pior, estão por aí.
Pobres Criaturas (Poor Things)
Pobres Criaturas traz uma leitura muito forte do domínio do homem sobre a mulher, mas vai além disso. Sem puritanismos, fala também sobre a descoberta do prazer e o que fazemos com ela, a exploração do corpo, o egoísmo capitalista e a empolgação juvenil com suas alternativas. No entanto, ao meu ver, o conjunto da obra aponta para a desumanização generalizada que acontece quando não vemos os outros como detentores de direitos iguais, especialmente quando o dinheiro e a satisfação de vontades mesquinhas vêm em primeiro lugar, estruturando nossas relações. Assim, o filme nos faz olhar no espelho, pobres e assustadoras criaturas que nos tornamos.
Vidas Passadas (Past Lives)
Amei cada instante do filme. A premissa não é nada complexa: retrata dois adultos de países e vidas diferentes que se reencontram. Ambos guardam lembranças de uma amizade amorosa da infância, quando estudavam na mesma escola e viviam na mesma vizinhança. Enquanto ele continua sua vida na Coréia do Sul, ela se muda para o Canadá, originando trajetórias distintas. A distância, as mudanças culturais, os desafios individuais e as expectativas mútuas são abordados com delicadeza. O constrangimento entre eles, o dilema de desejar, mas não poder ou não conseguir, e o respeito pela vida distante do outro permeiam a narrativa. Esse sentimento de constrangimento, compartilhado com os espectadores, é um aspecto marcante do filme. Poucas obras conseguem nos fazer sentir o que os personagens experimentam de maneira tão sutil: a dúvida entre estreitar laços ou desfazê-los, o desejo de que tudo dê certo de uma vez ou de encerrar e seguir em frente.
Os Rejeitados (The Holdovers)
De vez em quando, surge um filme que retrata a vida do professor e conquista o público. O personagem principal, interpretado por Paul Giamatti, é daqueles que perseveram na docência, que não abrem mão do conhecimento e da exigência como formas, ainda que tortuosas, de transformar meninos mimados em homens dignos. O longa se passa em um internato masculino na década de 80, onde alguns alunos terão que passar o período natalino na escola sob a supervisão do professor, criando a premissa para que os personagens se conheçam além das notas e das listas de presença. A beleza do roteiro está em mostrar que o verdadeiro aprendizado dos estudantes e o compromisso do educador transcendem os conteúdos escolares, embora isso mal seja percebido pelos próprios alunos e seus pais. Mesmo que isso faça toda a diferença na história de vida de cada um.
Ficção Americana (American Fiction)
Até quem não acredita em Deus reconhece que a crença nele afeta profundamente o comportamento humano, influenciando inclusive aqueles desprovidos de fé. No filme, o protagonista, um homem negro, diz que não acredita na ideia de diferentes raças. Instantaneamente, um táxi o ignora e prefere atender a uma pessoa branca próxima a ele, mostrando, de forma sutil, que as distinções raciais continuam a influenciar as interações sociais. Ficção Americana faz uma contundente crítica à ideia de que é possível transformar a sociedade pela linguagem, estratégia muito presente na academia e na militância de rede social. E chama a atenção para a capacidade do capitalismo de adaptar-se e continuar lucrando com o sofrimento da população negra: se já fez isso na escravidão, por que agora não lucraria vendendo livros e filmes sobre as consequências do que causou?
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