Figura muito citada em livros de História e em paródias, Napoleão Bonaparte foi um dos grandes conquistadores e estrategistas militares do mundo. Ridley Scott, o competente veterano que dirigiu longas históricos e bélicos como Gladiador (Gladiator, 2000) e Cruzada (Kingdom of Heaven, 2005), decidiu seguir na linha desses dois, dessa vez com uma história real. Napoleão (Napoleon, 2023) chega aos cinemas essa semana numa versão de mais de 2h30, com outra de 4h já programada para entrar no Apple TV+.
Com um ritmo um pouco lento entre batalhas, o filme se alterna entre a vida pessoal e as maquinações políticas de Napoleão. Escrito por David Scarpa (que trabalhou com Scott em Todo o Dinheiro do Mundo, 2017), o roteiro toma algumas liberdades frente aos fatos, com alguns historiadores já apontando algumas inverdades – o que Scott prontamente desmereceu em entrevistas, já que a arte não tem compromisso com a verdade. Eles contam a história do jeito que acham melhor.
O filme se inicia na Revolução Francesa, com o fim do absolutismo na França e a chegada ao poder de Robespierre, o jacobino acusado de usar a guilhotina contra seus inimigos pessoais. Em meio a esse turbilhão, um oficial da artilharia demonstrou apoio ao grupo que chegava, os girondinos, e ajudou a consolidá-los no poder. Subindo junto, acabou colocando os colegas para escanteio e se tornando o imperador da França. Se esse parágrafo resume bem o período, o mesmo pode-se dizer da obra, que pula várias passagens, como quando Bonaparte foi preso por apoiar os jacobinos.
É bom deixar claro que essa crítica é escrita a respeito da versão exibida nos cinemas, com 2h38 de duração. Pode-se argumentar que alguns problemas do filme se devem a cortes da versão definitiva, mais longa. Isso não justifica nada. É como tentar adivinhar o que um escritor tinha em mente quando escreveu um livro. Se não está na obra, não pode ser considerado. Logo, o filme Napoleão pula vários momentos importantes e deixa diversas pontas no ar. Há personagens que são simplesmente abandonados e não conseguimos entender todo o tempo o que está acontecendo.
Como tem sido comum em cinebiografias (nas musicais, principalmente), temos ótimas atuações. No papel principal, Joaquin Phoenix (Oscar por Coringa, 2019) faz o que o roteiro provavelmente pede: ao invés de viver um vilão em sua totalidade, como o Commodus de Gladiador, ele tenta mostrar um misto de megalomania e humanidade e até um quê de carência. A mãe parece ter um papel muito importante na vida dele, mas isso é extremamente mal desenvolvido. O único problema é que, em boa parte do tempo, Phoenix parece apagado, examinando as situações ao invés de vivê-las. O ator é sempre bom, mas o filme demanda mais dele.
Quem frequentemente rouba a cena é Vanessa Kirby (de Pedaços de Uma Mulher, 2020). Se ela consegue fazer isso com Tom Cruise (na franquia Missão: Impossível), com Phoenix não seria diferente. Com falhas de caráter sendo apontadas aqui e ali, Josephine precisaria de grande carisma e força para não ser imediatamente odiada pelo público. Kirby tira de letra e ainda coloca, por que não?, uma pitada de fragilidade, dando um afago no ego do pequeno homem que ela ama. A baixa estatura de Bonaparte é abordada bem levemente, e a mão na barriga, retratada na famosa pintura de Jacques-Louis David (Sam Crane), é deixada de lado, já que não se sabe ao certo a razão – podia ser apenas uma pose para o artista.
O robusto orçamento de US$ 200 milhões é justificado pelo design de produção do parceiro habitual de Scott, Arthur Max. Cenários e figurinos são majestosos, garantindo desde já indicações aos prêmios da temporada, tudo valorizado pela eficiente fotografia de Dariusz Wolski, outro colaborador frequente do diretor. Se tudo isso vai funcionar melhor quando chegar ao streaming, só saberemos num futuro próximo. Da forma como está, falta muito para Napoleão ser uma grande obra.
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