Sempre lidando com aspectos do mundo feminino, seja nos próprios filmes ou nos do colaborador frequente Noah Baumbach, a diretora e corroteirista Greta Gerwig (de Adoráveis Mulheres, 2019) agora lança uma produção baseada na boneca mais famosa do mundo: Barbie (2023). Estreando no mesmo dia de outro blockbuster, Oppenheimer (2023), o longa aproveitou essa pretensa disputa pelas bilheterias em sua já massiva campanha de marketing, criando um barulho enorme. Já são quase 350 milhões de dólares de arrecadação pelo mundo.
A grande empresa Mattel, que comercializa e detém os direitos sobre a boneca – entre centenas de outros brinquedos -, é uma das produtoras envolvidas e é até alvo de algumas piadas, sabiamente reconhecendo que o filme é da Barbie, e não deles. Gerwig e Baumbach escreveram um conto reforçando que feminismo não é dar mais direitos às mulheres, mas os mesmos direitos que os homens já gozam. Algumas mentes fracas por aí se sentiram atingidas em suas masculinidades frágeis e tiveram que engolir calados o grande sucesso que a obra tem feito.
O filme começa deixando claro que a Barbie surgiu para mostrar às meninas que elas poderiam ser o que quisessem, e não apenas mães ou esposas. Isso também, abrindo diversas outras possibilidades: presidente, ganhadora do Nobel ou qualquer outra coisa. A brincadeira com o clássico 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968), logo de cara, aponta o tom do filme, que mistura humor e crítica trazendo diversas referências ao mundo pop e borrando os limites entre a ficção e a realidade.
Além de um roteiro esperto e que sabe aproveitar o universo de Barbie, outra grande escolha de Gerwig foi a escalação de Margot Robbie (de Babilônia, 2022) no papel principal. Além da beleza padrão da boneca, a atriz traz a mistura entre otimismo e sensibilidade necessária. Teria sido fácil cair em armadilhas e criar uma personagem rasa, até antipática, mas Barbie é a amiga que todos querem por perto, de fato emulando o espírito que Ruth Handler imaginava quando a criou, em 1959.
Pouco depois de lançar Barbie, Handler achou que seria interessante que a boneca tivesse um amigo, e a Mattel lançou o Ken. O filme brinca com isso ao colocar diversas versões de Ken ligadas às versões da própria Barbie. Enquanto ela pode ser qualquer coisa, ele é só Ken, e vive em função dela. Com essa grande inversão de papéis, a história começa e volta e meia aproveita para escancarar o machismo do mundo real, onde Barbie é vista como uma figura sexualizada e vazia, não passando de um objeto.
Para fazer a contraparte de Robbie, outra ótima jogada foi trazer Ryan Gosling (de O Primeiro Homem, 2018) como o Ken padrão, um sujeito fortão que se satisfaz em passar seus dias na praia e ocasionalmente ganhar a atenção de Barbie. O elenco traz diversos outros nomes famosos, do sumido Michael Cera (de Gloria Bell, 2018) ao cômico John Cena (de Velozes e Furiosos 10, 2023), passando pela cantora Dua Lipa, além de um trio saído diretamente da série Sex Education (Emma Mackey, Ncuti Gatwa e Connor Swindells). Destaque também para o carismático Simu Liu (o Shang-Chi da Marvel – abaixo) e para a narração da grande Helen Mirren (de Velozes 10), que aproveita para fazer piadas espirituosas.
Guardando o melhor para o final, não pode-se deixar de falar do visual de Barbie. Cenários, figurinos, objetos de cena e fotografia são fantásticos, aproveitando os anos de existência da boneca e suas várias encarnações. A casa dela, assim como no brinquedo da Mattel, não tem uma escada entre os andares, forçando a personagem a inexplicavelmente voar entre eles, mais uma situação com a qual o roteiro brinca. A designer de produção Sarah Greenwood e a figurinista Jacqueline Durran mais uma vez vão aparecer nas principais premiações da temporada, brilhando em cada detalhe que vemos, dos momentos mais dramáticos aos musicais.
Mesmo que o barulho em torno da estreia pareça exagerado, todo o sucesso de Barbie é merecido, com o público inclusive se animando de ir a caráter às sessões, ou ao menos usando uma peça de roupa rosa. Querendo ou não, é um fenômeno interessante de se observar, maior do que qualquer outro dos filmes que vêm à mente durante a exibição, como Uma Aventura LEGO (2014), O Show de Truman (1998) ou mesmo Quero Ser John Malkovich (1999). Mais um ponto para Gerwig e para o próprio Cinema, que tem um ótimo momento depois de passar por longas trevas.
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