A Pequena Sereia ganha carne, osso e novas canções

A Disney segue firme nas adaptações com atores de seus próprios desenhos e a bola da vez é A Pequena Sereia (The Little Mermaid, 2023), baseado na animação de 1989 que, por sua vez, foi inspirada pelo conto de Hans Christian Andersen. Mesmo com a direção de Rob Marshall, experiente à frente de musicais, o longa segue a mesma linha sem sal do anterior, não ultrapassando-o, tampouco deixando a dever. Bom, talvez deixe quanto aos efeitos visuais, por vezes escuros, confusos e simplesmente feios.

A produção desta obra em live action começou cercada por uma polêmica besta: a cantora, compositora e atriz Halle Bailey (da série Grown-ish) foi a escolhida para o papel principal, a sereia descrita por Andersen como branca e ruiva. E a garota é negra. Alguns adultos mal resolvidos reclamaram que a Disney estaria “mudando tudo”, “estragando a infância deles” e outras bobagens do tipo. E Bailey acabou sendo a melhor coisa da obra, conferindo graça e inocência a Ariel, mas força quando necessário. Ah, e ela sabe cantar, o que era essencial ao papel.

Para quem não a conhece, Ariel é a mais nova das filhas do Rei Tritão (Javier Bardem, de Duna, 2021), o Senhor dos Mares que é também um pai superprotetor. Devido a traumas passados, ele desconfia de todos os humanos e proíbe os seres marinhos de irem à superfície. Ariel, claro, morre de curiosidade e está sempre nos limites do permitido. Até que ela salva um príncipe (Jonah Hauer-King, de Mundo em Chamas) de um naufrágio e imediatamente se apaixona por ele.

Ao contrário de Daryl Hannah em Splash – Uma Sereia em Minha Vida (1984), Ariel não passa a ter pernas quando sai da água, precisando de um feitiço para que isso aconteça. E isso traz para a história a vilã, Ursula (Melissa McCarthy, de Poderia Me Perdoar?, 2018), a irmã que Tritão manteve presa por 15 anos – por qualquer que seja a razão. A bruxa é de longe a personagem mais descabida: não sabemos nada dela, apenas que é muito poderosa. Ao invés de usar esses poderes, fica de planinhos contra o rei.

Apesar de Bailey e Hauer-King serem competentes e carismáticos, eles não têm muita química em cena, o que torna difícil acreditar que ambos se apaixonariam tão rápido. Quem rouba a cena é Daveed Diggs (da série Expresso do Amanhã), que dá voz ao caranguejo Sebastião, um pobre servo do rei que está sempre em confusão por seguir e proteger Ariel. É ele que canta a já clássica Under the Sea, de longe a melhor canção dos longas. Fazendo uma dobradinha com ele, temos Awkwafina (de Shang-Chi, 2021), que dubla a ave marinha Sabidão, responsável pela maioria das tiradas cômicas. Jacob Tremblay (de Luca, 2021) completa o trio como o apagado Linguado, um peixinho amigo da protagonista que, por isso, não vira comida.

Para a trilha sonora, Alan Menken, compositor que trabalhou no filme de 89, voltou para novas músicas, e o falecido Howard Ashman foi subsituído pelo também produtor Lin-Manuel Miranda. Menken e Miranda compuseram quatro novas canções, além de atualizarem outras letras, como Kiss the Girl. As mais antigas têm muito mais destaque, talvez por serem velhas conhecidas do público, e a gritaria nos vocais incomoda um pouco.

“Bonitinho” é a palavra perfeita para descrever esse novo A Pequena Sereia. Tem bons momentos, em outros cansa. Bardem, apesar de ser sempre ótimo, aqui parece uma versão mais velha do Aquaman de Jason Momoa, o que torna algumas cenas involuntariamente engraçadas. Marshall, responsável pelo ótimo Chicago (2002), aqui fica no meio do caminho. O roteirista, David Magee (de O Pior Vizinho do Mundo, 2022), não deve ter tido uma tarefa fácil, já que tem coisa que fica melhor num desenho animado que com atores. Como ter uma pequena sereia puxando um homem adulto pela areia da praia.

Com tantos universos paralelos nas hqs, Tritão vai acabar descobrindo ser o Aquaman mais velho

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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