As Órfãs da Rainha mostra o Brasil do séc. XVI

Após pré-estreias realizadas em Cataguases e em BH, chega nesta quinta em circuito comercial no país o longa As Órfãs da Rainha (2022), filmado 100% em terras mineiras e distribuído pela Cineart. Com equipe e elenco predominantemente de Minas, a diretora Elza Cataldo fez uma extensa pesquisa para contar uma história passada no final do século XVI, mas cujos temas são atemporais.

Situando a trama no Recôncavo Baiano, Cataldo, que escreveu ao lado de sua parceira no curta Ouro Branco (2009), Pilar Fazito, e de Newton Cannito (da série Cidade dos Homens), nos apresenta às irmãs Leonor (Letícia Persiles), Brites (Rita Batata) e Mécia (Camila Botelho). Criadas na corte da rainha de Portugal, elas voltam ao Brasil já crescidas para constituírem família, indo morar em um vilarejo distante de Salvador.

Enquanto conhecemos os personagens que compõem aquele cenário, entendemos melhor como cada irmã é e o que se passa nas cabeças delas. Dessa forma, é fácil perceber que elas são muito diferentes entre si e representam tipos que podem ser encontrados hoje. Os roteiristas conseguem propor questões que são cabíveis de serem discutidas hoje, como o lugar da mulher na sociedade e intolerância religiosa. Não demora a Inquisição entrar na história, revelando algo que será supresa para muitos: a presença de inquisidores da “Santa” Igreja Católica no Brasil.

Era muito comum pela Europa que judeus tivessem que esconder suas origens e práticas devido à perseguição pelos católicos, e países como o Brasil eram visados por esses grupos por serem distantes, permitindo a eles manterem suas tradições. Por isso, causa certo pânico a notícia de que a Inquisição estaria chegando. As vidas dos cidadãos são impactadas, tanto os que mantinham segredos quanto os tidos como “de bem” – sim, já naquela época temos a figura do canalha que se esconde atrás de família e religião, seguindo impune em seus crimes e preconceitos.

As Órfãs da Rainha tem uma dimensão supreendente, podendo facilmente ser chamado de épico. Com toda a vila criada do zero na Zona da Mata mineira, em Tocantins, o nível de detalhamento do design de produção e dos figurinos comprovam a longa pesquisa que foi feita, com vários consultores atuando junto a Cataldo para darem maior veracidade às cenas. Os diálogos, inclusive, contam com passagens inteiras retiradas de documentos da época.

Liderando o elenco, Persiles, Batata e Botelho demonstram grande intimidade entre elas e ressaltam bem os traços de personalidade de cada irmã. Brites é a que mais chama a atenção, devido ao relacionamento abusivo em que se encontra, e que a domina. E o elenco de apoio traz nomes consagrados, como Inês Peixoto, Eduardo Moreira e Teuda Bara, do Grupo Galpão, além do veterano Celso Frateschi, que faz o detestável inquisidor, e de Odilon Esteves, figura constante no Cinema, TV e teatro.

O Brasil de 1581 não costuma aparecer em produções cinematográficas e é uma experiência muito interessante conhecer esse cenário. Ainda mais com a riqueza de detalhes que As Órfãs da Rainha apresenta. Cataldo demonstra interesse pela nossa história e seus próximos projetos devem seguir essa linha, sempre com tramas que reforcem o papel da mulher. Mantendo esse nível de qualidade, será sempre uma diretora a se acompanhar.

Cataldo aproveitou para filmar em sua cidade natal

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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