Master classes movimentam a Mostra de Cinema de Tiradentes

por Laís Simão

Para aqueles que acham que a Mostra de Cinema de Tiradentes é um evento para apenas exibir novos longas, curtas e documentários, teremos que dar o primeiro spoiler da história do Pipoqueiro: eles estão absurdamente enganados.

Já publicamos sobre o documentário de encerramento, Amazônia, a Nova Minamata? (2022), de direção de Jorge Bodanzky, e caso ainda não tenha lido, fica aqui o convite para a leitura.

Embora a produção do evento tenha construído uma verdadeira sala de cinema no meio da praça, e quando mencionamos o termo “sala” não é nenhum exagero estético – um ambiente escuro, climatizado, com cadeiras confortáveis e estrutura de som melhor que diversos cinemas de rua, o Cine-Tenda merece todo os louros. Mesmo com todo conforto de um cinema de excelente qualidade à disposição dos cinéfilos, a Mostra convidava ao passeio em torno da cidade para outros eventos, debates e apresentações.

Assim, na rua de cima, a famosa Rua Direita, Tiradentes recebia dois grandes roteiristas para lecionar suas master classes no então designado Cine-Teatro. Em um auditório lotado, com direito a pessoas assistindo do lado de fora pela televisão que reproduzia o palco, provavelmente arrependidos por não terem chegado antes, Rosane Svartman (Malhação: Intensa Como a Vida, 2012 – abaixo – e Totalmente Demais, 2015) lecionou a primeira master class do dia. Considerando que se trata de uma cineasta, autora, diretora e produtora, diversos poderiam ser os temas da aula, e o escolhido foi “Em Busca de Um Personagem”.

A roteirista foi muito feliz em prezar pela técnica nos seus ensinamentos. Para isso, inicialmente elencou aspectos importantes que bons personagens devem apresentar em sua jornada, como por exemplo os obstáculos que se tornam meios de transformação e a própria importância do antagonista para o enredo. Assim, ensinou alguns exercícios. Entre eles, o que chamou mais atenção foi o de refletir sobre qual é o nosso maior medo e colocá-lo em uma história, com o personagem vivenciando isso.

Outro exercício que chamou atenção foi a aplicação dos 3Ps: vida pública, vida privada e vida pessoal do personagem. Trata-se de uma forma de humanização do ser fictício, provendo dimensões e complexidades a ele. Depois, a roteirista sugeriu sentar-se em uma cadeira na frente do seu personagem e imaginar uma conversa. Após a experiência, escrever um monólogo sobre ele, suas angústias, seus sonhos, seus medos, narrado em primeira pessoa.

Outro ponto que chamou atenção no evento foi a pontualidade. Apenas dez minutos após o encerramento da fala da Svartman, se iniciou a do também roteirista Pedro Riguetti (Sob Pressão, 2017 – abaixo), que tinha como tema “Estrutura para Séries”. A aula começou com um aspecto técnico, a partir da apresentação de teorias sobre estrutura de roteiro, se aprofundando no conhecido “início, meio e fim”.

Riguetti explicou como cada temporada pode ser uma ferramenta de transformação do personagem, de modo que quando ele consegue, fracassa ou desiste, o desejo chega ao fim. Só que o conflito precisa permanecer vivo, é ele que dá continuidade à trama.

Para ilustrar a teoria, Riguetti fragmentou a célebre série Fleabag (2019), em específico a segunda temporada. Com uma narrativa sensível, deixou o tom professoral de lado, arrancando lágrimas de alguns alunos, inclusive a que vos escreve, para mostrar que o conflito do personagem pode ser algo banal, como amar e não saber o que fazer com isso.

Depois de quatro anos do pior tratamento imaginável à imprensa por parte do governo passado, a assessoria da Mostra fez uma espécie de reparação histórica e tratou os críticos e jornalistas da melhor forma possível. E a assessoria está devidamente antenada com os tempos atuais, diversos conteúdos produzidos pela 26a Mostra de Cinema estão disponíveis online, no Canal Universo Produção, no Youtube. Para quem não pôde comparecer em Tiradentes, o Cinema Mutirão permanece acessível a todos.

A Mostra foi realizada entre 20 e 28 de janeiro

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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