A mediocridade instagramável naufraga no Triângulo da Tristeza

por Carvalho de Mendonça

Nem mesmo a Palma de Ouro conquistada em Cannes no ano passado foi o suficiente para livrar Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness, 2022) de uma certa contestação quanto a suas três indicações ao Oscar de 2023 (Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original). Entretanto, não se pode dizer que isso seja algo totalmente negativo, tendo em vista que incomodar e gerar controvérsias parecem ser os principais objetivos da nova comédia dramática do diretor sueco Ruben Östlund (de The Square: A Arte da Discórdia, 2017).

A obra potencializa absurdos da sociedade contemporânea para refletir acerca da mediocridade que assola as relações humanas, em suas diversas camadas. Com o sarcasmo característico de seus trabalhos, Östlund escancara a fragilidade das bases sobre as quais está estruturada toda a desigual configuração piramidal dos atos de poder.

“Triângulo da tristeza” é um termo utilizado por esteticistas para fazer referência à região do rosto, localizada entre a testa, o nariz e os olhos, constantemente articulada pela exteriorização de sentimentos, que acaba por desenvolver rugas de expressão e marcas do tempo. Consequentemente, é também foco central das selfies e das buscas por procedimentos e cirurgias plásticas. Além disso, o título do filme também faz uma óbvia brincadeira com o lendário Triângulo das Bermudas e suas embarcações desaparecidas.

O longa é dividido em três partes. Na primeira, o público é apresentado a Carl (Harris Dickinson, de Um Lugar Bem Longe Daqui, 2022) e Yaya (Charlbi Dean, de Raio Negro, 2018, atriz sul-africana falecida precocemente), um casal de jovens modelos que vive um relacionamento de aparências, mantido unicamente para agradar seguidores e multiplicar os lucros da garota como influencer. Logo de cara, os dois protagonizam uma prolongada discussão, ancorada em falsos argumentos que questionam as convenções de gênero, o que já dá o tom do que viria pela frente.

Na segunda parte, os namorados embarcam em um cruzeiro de luxo, acompanhados de uma gama de milionários excêntricos, regado a champagne e Evian, recheado de Nutella e pratos instagramáveis, e comandado por um capitão marxista (Woody Harrelson, de Venom – Tempo de Carnificina, 2021). Na terceira e última fase, com os passageiros isolados em uma ilha, despidos de suas cascas burguesas e entregues a suas próprias essências, surge uma nova ordem.

Inegável que a película tem boas sacadas e traz à tona debates importantes. Porém, acaba pecando muito pela ausência de sutileza. A grande dificuldade da ironia é saber dosar a acidez, é ter o pleno domínio dos elementos disponíveis para conseguir desferir o golpe sem ser notado. Östlund, assim como a sua câmera na escatológica cena do jantar, não faz questão nenhuma de se manter em equilíbrio, e o resultado é um filme polêmico, corrosivo, mas muito abaixo de outras sátiras sociais exaltadas pela Academia recentemente, como Corra! (Get Out, 2017) e Parasita (Gisaengchung, 2019), por exemplo.

Em tempos de superficialidade, é possível dizer que Triângulo da Tristeza naufraga no raso, mas serve como fonte de risos nervosos e de ridicularização de uma elite cafona, que vende merda e armas para sustentar seus mimos e poder vomitar futilidades nas telas de seus iPhones.

O diretor comanda seu elenco no navio

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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