Tár reafirma o talento de Cate Blanchett

Em uma entrevista, o diretor Todd Field (de Pecados Íntimos, 2006), que queria muito Cate Blanchett em seu próximo filme, contou que a agente da atriz disse que ela não teria disponibilidade pelos próximos três anos. Dirigindo, ele ficou tão chateado que bateu o carro. Sensibilizada, Hylda Queally mandou o roteiro para sua cliente e elas conseguiram ajeitar a agenda para Blanchett participar. O resultado, Tár (2022), chega aos cinemas brasileiros hoje, com seis indicações ao Oscar, incluindo três para Field e uma para Blanchett.

É preciso estabeler, de cara, que Tár não é fácil: nem a personagem, nem o filme. Trata-se da cinebiografia fictícia de uma grande maestro (como ela prefere) que, quando a encontramos, está em franca ascensão. Ganhadora de diversos prêmios e atual condutora da prestigiada Filarmônica de Berlim, ela frequentemente é convidada para palestrar, dar aulas, entrevistas etc. E todos querem trabalhar com ela, aceitando até posições menores do que buscavam.

Lydia Tár (Blanchett) tem uma vida aparentemente equilibrada, com esposa (Nina Hoss, de O Homem Mais Procurado, 2014) e filha em um apartamento cômodo e a atividade profissional em polvorosa. Algumas atitudes e decisões dela vão mexer um pouco nessa estrutura, usando aquele velho estereótipo do “gênio que é difícil de lidar”. Seria ela, além de muito competente, arrogante? Ou estaria apenas apontando a verdade sem papas na língua? Algumas sequências nos deixam com esse questionamento. Ora ela parece ser muito atenciosa, ora muito escrota. À medida que o filme avança, entendemos bem o que está havendo.

Difícil não se lembrar de Cisne Negro (Black Swan, 2010), guardadas as devidas proporções. O talento e a dedicação da protagonista lhe roubam um pouco da sanidade mental, o que até pode propiciar a criatividade e o desenvolvimento artístico. Até certo ponto. A diferença, aqui, é que há um peso maior na questão do caráter. Se tem uma atriz que dá conta de nos deixar com a pulga atrás da orelha, é Blanchett, que evita qualquer possível armadilha e sabe a hora de exagerar e de se conter. Boa parte do interesse que o longa pode despertar reside na atriz.

Entre os coadjuvantes, temos uma figura interessante na assistente Francesca (Noémie Merlant, de Retrato de uma Jovem em Chamas, 2019), muito dedicada e respeitosa para com sua mentora. Seria genuíno ou interesse? Outros destaques, além da ótima Nina Hoss, são Mark Strong (de Cruella, 2021) e Julian Glover (de Game of Thrones), compondo personagens que se mostram complexos no que revelam e no que deixam abaixo da superfície.

Se os diálogos, escritos por Field, ajudam os atores e facilitam o trabalho deles, também podem afastar parte do público. Fora a questão técnica, já que muito do que é falado em alemão não é legendado na versão que foi exibida nos cinemas, há a complexidade das falas. Em certos momentos, os personagens parecem rodear com palavras empertigadas e não chegar a lugar algum. Se isso pode ser uma intenção clara do diretor e roteirista, acentuando a vaidade e a falsidade do meio mostrado, pode também manter o espectador desinteressado. Muitas pessoas deixaram a sessão antes do fim.

Ao final das duas horas e quarenta minutos de projeção, a única certeza acerca de Tár é o talento de Blanchett, que pode levar seu terceiro Oscar – a presença (da voz) do colega Alec Baldwin é um bom sinal, já que ele esteve nos dois filmes anteriores (O Aviador, 2004, e Blue Jasmine, 2013). Quanto aos possíveis erros e acertos de Field, tudo pode ser discutido. O filme poderia ser mais curto? Certamente. Deveria. Há pontas soltas ao final? Sim. Pode-se argumentar que as coisas, na vida real, não são mastigadas e explicadas, e as pessoas são complexas. Algumas, mais do que outras.

Entre concertos, ela arruma tempo para dar aulas Master

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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