Moonage Daydream revela a essência de Bowie

Chega ao final uma experiência única: assistir a Moonage Daydream (2022) numa sala de Cinema, preferencialmente IMAX. O documentário está saindo de cartaz e se preparando para o mercado dos streamings, mas o modo ideal de assistir a ele é numa tela gigantesca, cercado pelo ótimo desenho de som que inclui narração e músicas de ninguém menos que David Bowie. Trata-se da primeira obra de Cinema aprovada pelos mantenedores das propriedades do cantor e, exatamente por isso, a produção teve acesso a cinco milhões de ativos que incluem desenhos, gravações, filmes e diários, além das próprias canções.

Lançado em 2020, o longa Stardust, que ficcionaliza uma passagem da vida de Bowie, não contava com os direitos de uso das músicas e fez uso de um artíficio comum nesses casos: tocar músicas que Bowie cantava, mas que eram de outros compositores. Em Moonage Daydream, temos não só as versões originais, como variações ao vivo e em estúdio e até medleys. Essa graça foi alcançada devido ao envolvimento do nome do diretor, roteirista e montador Brett Morgen, responsável pelos ótimos The Kid Stays in the Picture (2002) e Cobain: Montage of Heck (2015).

O mais do que consagrado Morgen ainda trouxe para o projeto o amigo e colaborador de décadas de Bowie, o produtor musical Tony Visconti, e o técnico de som Paul Massey, indicado ao Oscar dez vezes e vencedor por Bohemian Rhapsody (2018). Todos esses talentos combinados trazem aos fãs do artista uma obra única, que realmente se propõe a entrar na mente dele, nos revelando um sujeito inquieto, criativo, que se alterna entre uma certa timidez e a total desinibição, geralmente quando interpretava um dos vários papéis que criou.

Seguindo a própria persona de Bowie, que quebrava regras e instituía novos padrões, Morgen não realiza um documentário convencional, que se atém a fatos cronológicos e narra uma história. Ele está mais preocupado com os pensamentos e os processos criativos de seu biografado. Focando mais na carreira artística, ele inclui pouca coisa da vida pessoal de Bowie, relevando filhos e até a primeira esposa, Angie. Questões como bissexualidade e vestir roupas “de mulher” ganham espaço, já que causaram muita polêmica na época, cobrindo várias facetas dele.

É muito interessante como Moonage Daydream vai e volta no tempo, se alternando entre um Bowie ruivo (ou Ziggy Stardust), um loiro (ou o Thin White Duke) e um mais contemporâneo, mais maduro. Percebemos o quanto o compositor, falecido em janeiro de 2016 aos 69 anos, manteve uma mente efervescente, se reinventando ao longo dos anos, mas sempre coerente com as posturas que adotou. Difícil é se controlar para não começar a cantar no meio da sessão.

Bowie, em qualquer de suas encarnações, faz muita falta

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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