Engraçado como cinebiografias fazem sempre muito barulho, frequentemente chamando tanta atenção que ganham até prêmios. E alguém do calibre de David Bowie ganhou uma em 2020 e passou totalmente batida. Disponível no Globoplay, Stardust acerta ao focar em um episódio específico, não cometendo o erro de abraçar o mundo. Mas comete vários outros, sendo o pior deles a façanha de transformar Bowie em um chorão maçante.
Em 1971, o cantor tinha 24 anos e um grande sucesso: Space Oddity. Promovendo o lançamento do disco seguinte, The Man Who Sold The World, ele quer se apresentar nos Estados Unidos e aumentar o seu alcance. Para os músicos ingleses, dominar a América sempre foi sinal de carreira consolidada. Seu agente, então, o manda para lá. Com um visto de turista, o que o impossibilita de se apresentar.
Com um recorte bem delimitado, o diretor e co-roteirista Gabriel Range (de A Morte de George W. Bush, 2006) busca fazer um estudo do personagem pré-fama. Algo como um “David antes de Bowie”, como diz o cartaz. A proposta é extremamente interessante, produzindo uma obra de ficção que mostra como as coisas podem ter acontecido. O problema é a forma como Range imagina isso tudo. Dá para dormir e acordar várias vezes e o filme ainda estará passando.
Para começo de conversa, a família do astro da música não aprovou o longa e, por isso, não puderam usar as músicas. O recurso usual, nesses casos, é usar músicas que o artista tocava e não eram dele, como em Backbeat (1994), a história do quinto beatle. Mas as músicas precisam proporcionar um mínimo de emoção ao espectador, e isso só acontece se elas tiverem alguma identificação com o cantor. Tê-la cantado uma ou duas vezes não atende essa necessidade.
O músico e ator Johnny Flynn (acima), visto recentemente em Emma (2019), é competente, mas o roteiro não o ajuda, retratando um Bowie inseguro, imaturo, patético. Jena Malone (de Animais Noturnos, 2016 – abaixo), vivendo Angie, é o estereótipo da esposa chata, só cobrando e reclamando, demonstrando um recalque enorme por não ter se tornado também uma estrela – algo que não faz o menor sentido. Ao veterano Marc Maron (de Coringa, 2019) cabe viver um empregado de uma gravadora com uma difícil missão: ele deve receber Bowie nos Estados Unidos, mas não pode organizar nenhum show porque o visto do britânico não permite.
Sem músicas e com um protagonista chato de doer, fica difícil assistir a Stardust até o final. Tanto a verdadeira Angie quanto Duncan Jones, filho do casal, se manifestaram publicamente contra o filme. A ex-esposa chegou a assisti-lo e criticou diversos pontos imprecisos. A questão da doença mental do irmão do cantor, Terry, ocupa um espaço grande no roteiro, e é mais uma razão para a insegurança de David: ele pensa que o próximo a ter esses problemas pode ser ele. Em 1971, o álbum Hunky Dory já havia sido lançado e Bowie já tinha uma boa experiência ao lidar com público e imprensa. O coitadinho mostrado no filme passa longe da realidade até para quem não conhece bem o personagem.
Em 72, o mundo viria a conhecer Ziggy Stardust e As Aranhas de Marte, personagens criados por Bowie numa busca por reinvenção. O interesse de Range está nessa construção, e até isso ele faz errado. É tudo muito brusco, sem sentido, fica bem complicado comprar a proposta. E Flynn é bem mais velho que seu biografado, outra fonte de estranheza. Como não há semelhança física entre os dois, fica parecendo que a mudança de Bowie será total, até o rosto vai se alterar. O cantor chegou a dizer que não gostaria de ser objeto de uma cinebiografia. A julgar por Stardust, seria melhor ter atendido o desejo dele.
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