O que faz uma pessoa ser boa? Esta parece ser a questão central trabalhada no novo Batman (ou The Batman, 2022). Quem assume as rédeas para a Warner é o diretor, roteirista e produtor Matt Reeves, famoso por ter levantado a franquia Planeta dos Macacos nos últimos capítulos. A pergunta é feita no âmbito da sociedade, mas também no pessoal. Por vestir uma fantasia e bater nos criminosos, Bruce Wayne é uma pessoa boa? E quanto aos “cidadãos de bem” de Gotham?
Como ninguém aguenta mais assistir à origem do herói, Reeves vai direto ao assunto com uma sequência inicial bem interessante que situa o espectador. Algo como num episódio intermediário de uma trilogia. Nem precisava da narração, empregada para dar ao longa um clima noir e logo esquecida. Encontramos o personagem quando já está na atividade de vigilante há dois anos, tem uma boa relação com um policial honesto (sim, James Gordon) e é visto com desconfiança por boa parte da cidade.
Como acontece sempre nos quadrinhos, vários personagens marcantes se cruzam e há diversas subtramas sendo lançadas, algumas inclusive para serem desenvolvidas em projetos futuros. E isso deixou a obra com uma duração excessiva, quase três horas. Não fica cansativo, mas muitos podem reclamar. Em alguns momentos, parece estar acabando, apenas para revelar mais pontas soltas que deverão ser resolvidas. Por mais que discussões profundas possam ser iniciadas aqui ou ali, o filme não se pretende uma aula de filosofia.
Com uma trama de corrupção generalizada, Reeves consegue capturar a atmosfera das revistas em quadrinhos, que geralmente misturam política, ação e outros elementos próximos. Dessa forma, temos um mínimo para prestar atenção e processar, e não faltam sequências de perseguição, luta, tiros e bombas. Na medida do possível, este Batman está mais pé no chão, com situações e reações mais reais do que costumamos ver nesse tipo de filme. Até medo ele sente, o que nos dá a cena mais emocionante dessas quase três horas.
Como geralmente acontece, os atores para adaptações de quadrinhos são escolhidos e os fãs imediatamente começam a criticar. Foi assim com Robert Pattinson e ele se mostra uma ótima escolha para Bruce Wayne e Batman – mesmo que fique claro que ele é frequentemente substituído por dublês nas partes mais demandantes. O Bruce Wayne de Pattinson parece um rockstar de saco cheio da fama: aonde vai, é reconhecido, mas não gosta dessa sensação. O diretor disse em entrevistas que ele e seu parceiro Peter Craig (de Imperdoável, 2021) escreveram o roteiro com o trágico Kurt Cobain em mente. Não por acidente, temos uma canção do Nirvana pontuando o filme todo: Something in the Way.
Quando foi escalado para os papéis, Pattinson estava justamente trabalhando em Tenet (2020), com o diretor Christopher Nolan, responsável pela trilogia do Cavaleiro das Trevas. E, por mais que se evite, as comparações acabam aparecendo. Os filmes de Nolan são ótimos (ok, o terceiro é um tanto menos), e muito já foi falado sobre eles. A maior diferença do trabalho de Reeves é o sentimento que ele injeta e que falta ao colega britânico. Este filme é mais “quente” que qualquer coisa que Nolan tenha feito, e isto contribui com a sensação de urgência, de perigo, de que algo drástico realmente pode acontecer.
Além de Pattinson, temos grandes nomes nos demais papéis. Zoë Kravitz (de Big Little Lies), como sempre, está um tanto blasé, mas nada que atrapalhe. Sua Selina Kyle funciona e tem uma história bem construída. É inexplicável por que colocam o ótimo Colin Farrell (de Magnatas do Crime, 2019) irreconhecível como Pinguim, com horas na cadeira de maquiagem ao invés de contratarem alguém mais próximo fisicamente do gângster. Jeffrey Wright faz um Gordon mais mãos na massa e muito parceiro do Batman, muitas vezes se colocando entre ele e os demais policiais da cidade. Entre outros nomes famosos, temos ainda Andy Serkis (como um Alfred mais jovem), Peter Sarsgaard (o promotor) e John Turturro, ameaçador em suas poucas cenas como Falcone.
Outro que aparece pouco e não passa despercebido é Paul Dano (de Okja, 2017). Indo do insignificante ao destemperado, o ator nos entrega um vilão interessante, psicótico e mais inteligente do que parece. E é o Charada que permite a Batman assumir o nome pelo qual ele é muito chamado nas revistas: Detetive. Aqui, ao contrário de filmes anteriores, temos o herói de fato investigando pistas, forçado por seu antagonista a trabalhar ao lado de Gordon, seguindo a cartilha policial. E, nesse meio do caminho, apanhando, levando tiros e desenvolvendo outras habilidades pelas quais ele será famoso.
A trilha sonora, assinada por Michael Giacchino (da trilogia do Homem-Aranha), pontua bem os momentos de tensão, chegando às vezes próximo do invasivo. Vindo dos grandiosos Duna (Dune, 2021) e O Mandaloriano (The Mandalorian), o diretor de fotografia Greig Fraser consegue algumas das imagens mais bonitas de uma adaptação de quadrinhos, batendo Zack Snyder ou qualquer outro que você possa lembrar. E os efeitos visuais, da Industrial Light & Magic, se unem aos efeitos práticos, maquiagem e figurinos para criarem aquele universo de Gotham, que lembra cidades futuristas como a de Blade Runner (1982), misturando anúncios publicitários e miséria.
Uma das principais críticas feitas ao personagem da DC aparece em um diálogo de Batman: por que Wayne não usa seu dinheiro para combater a pobreza através da filantropia, ao invés de usar uma fantasia e bater nos criminosos? Talvez, porque “homens de bem” desviariam esse dinheiro, o que nos leva a esta outra questão: cidadãos respeitados na cidade levam vidas duplas, o que reflete bem a sociedade em que vivemos. Valores como família e religião encobrem os crimes mais diversos e sórdidos. Tocando nesse ponto, Reeves realiza um filme atual, que mistura diversão com crítica social, e honra a clássica criação de Bob Kane e Bill Finger. E já aguardamos a sequência e possíveis derivados.
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