Faroeste Ataque dos Cães desconstrói o mito do caubói

A premiada diretora e roteirista Jane Campion (de O Piano, 1994) partiu para um faroeste e realizou uma obra que, ao mesmo tempo que dá gás ao gênero, o desconstrói um pouco. Ataque dos Cães (The Power of the Dog, 2021), que tem seu título metafórico retirado de um salmo bíblico, é protagonizado por uma dupla improvável: um caubói bronco e violento e um jovem sensível atacado por todos por seu jeito afeminado. Com esses dois tipos, Campion brinca com arquétipos e revela que tem muito mais por trás de uma trama aparentemente simples.

Os irmãos Burbank conseguiram atingir um certo poder econômico na Montana de 1925 e cuidam uma grande fazenda e um numeroso rebanho. Mas são muito diferentes entre si: enquanto George (Jesse Plemons, de Jungle Cruise, 2021) é quieto e respeitoso, cuidando da parte financeira dos negócios, Phil (Benedict Cumberbatch, o Doutor Estranho da Marvel) lidera os homens exercendo um misto de respeito e medo. Ele é o típico machão das histórias da conquista do oeste, alimentando sempre que pode essa aura de homem forte que não abaixa a cabeça para ninguém.

No dia em que os Burbank e sua equipe param para comer e descansar numa pousada de beira de estrada, George se apaixona pela viúva que cuida do lugar (Kirsten Dunst, de O Estranho Que Nós Amamos, 2017) e eles acabam se casando. Junto com ela vem o filho (Kodi Smit-McPhee, a versão mais jovem do Noturno, dos X-Men), Peter, que não combina em nada com o cenário. Sempre impecável, com suas roupas claras, limpas e passadas, o jovem destoa dos demais e é alvo da zombaria geral. Mas é muito próximo da mãe, ainda mais depois da morte do pai.

A forma como Campion cria seus personagens e desenvolve as relações entre eles é poderosa, ainda que discreta. Nos detalhes, conhecemos cada um deles melhor e entendemos os rumos que as coisas estão tomando. A forma como o tal Bronco Henry é trabalhado é primorosa e revela muito das causas do comportamento de Phil. E Cumberbatch é eficiente como sempre, juntando carisma e ameaça num tom de voz intimidador. Plemons faz um ótimo contraponto, tímido e posicionado. Não temos estereótipos, mas figuras críveis, que poderiam realmente ter existido – e, em partes, de fato existiram, inspirando a ficção.

O livro homônimo relativamente autobiográfico em que o roteiro foi baseado, escrito por Thomas Savage, foi publicado em 1967, o que mostra que mexer com essas figuras icônicas não é algo novo. O Segredo de Brokeback Mountain (2005) é um filme que vem à mente durante a sessão de Ataque dos Cães, por terem alguns elementos em comum. O longa, que deu a Campion o prêmio de Melhor Diretora em Veneza no último mês de setembro, já está disponível na Netflix, depois de algumas exibições por cinemas do mundo. E, assim como o de Ang Lee, certamente terá destaque na próxima edição do Oscar.

Esses dois formam o cerne do filme

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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  • Realmente um filme surpreendente ,que nos mostra um pouco da alma humana e nos faz pensar:estereótipos são apenas estereótipos.

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